Li, hoje, Cora Rónai queixando-se de gente, que parecendo gentil, defende pontos de vista que nos parecem monstruosos. É assustador. Mas eu acho que isso não é novo. Pelo contrário, distanciar-se do sofrimento dos outros e tratá-lo como algo banal é característica da humanidade. Execuções de condenados, seja por degola, crucificação, enforcamento, fogueira e guilhotinagem eram marcadas nos domingos (depois da missa) para dar oportunidade ao povo do local comparecer. Por muito tempo, essa era a maior diversão, a começar pelos espetáculos do Coliseu. Essa condição, para mim, tem a ver com a identificação afetiva, que está intimamente relacionada com as organizações sociais primitivas, que costumo chamar de clãs. Há o conceito na língua inglesa expresso na palavra kin, pessoa que mantém relação entre parental e comunitária com outra. Desde que o homem é homem ele se identifica afetivamente com o kin, um membro de seu clã. E é só. O resto, é como se fossem animais.
Em cidades e burgos, a aglomeração de gente não garante o clã. As pessoas, pelo isolamento, vão perdendo essa condição e, pouco a pouco vão diminuindo o círculo de seus kins. Ver o vizinho morrer esfaqueado não abate tanto, sobretudo em comunidades carentes, menos expostas às benesses da cultura civilizatória. É a indiferença para com o 'não semelhante'. Não é kin, pode fazer o que quiser. A cultura civilizatória, curiosamente, pelo que lembra da entropia, age no sentido de tentar incorporar um círculo cada vez maior ao um grande clã, coisa que o cristianismo tentou implantar, porém, digamos, de uma forma meio "atabalhoada". Nossa tendência, através da globalização, das notícias veiculadas nas midias, nas redes sociais etc, é vermos o outro cada vez mais como 'semelhante', cada vez mais como kin. Mas isso tem preço, e o primeiro deles já foi detectado por Freud em o "Mal-estar na Civilização". Essa atitude, em primeira instância, é renunciarmos dos sentimentos de revanchismo e retaliação. Não é fácil, nem rápido, nem linear. E a consequência mais demolidora é a sensação generalizada de indiferença e solidão. Já não se aceita passivamente assistir o vizinho ser degolado, mas o preço é não sabermos sequer seu nome.
Isso me leva ao tema de Hannah Arendt: A banalização do mal. O que ela detecta é o mal como a ação contínua de levar milhões de pessoas à morte programada. Na realidade, o novo aqui é a escala do ato. A indiferença para com o não kin estende-se a uma escala de milhões. É o modo de produção capitalista na selvageria do ato. Para Eichmann, tudo não passava de uma lista de nomes. Gente que nada tinha de relação com ele. Não eram kin.
Disso tudo, chego à conclusão: o mal é banal. Faz parte de nosso cotidiano. E, sabe Cora, constatar isso é duro. Ver amigos e colegas festejarem a queda das Torres de Nova Iorque me deixou estupefado, mas não devia me surpreender. Para chegar ao que sei hoje, foi preciso viver grandes decepções já na década de 1970. É duro, Cora, descobrir que um parente seu, alguém que você praticamente idolatrava, participava de assaltos a banco e atentados que matavam ou feriam gente. O seguimento ainda foi mais implacável. "Quedas", fugas, conversas sorrateiras nos cantos, medo, muito medo. Vivia-se a ditadura, você sabe. No Chile, esse parente lá se encontrava refugiado é assassinado friamente por soldados de Pinochet, esse, mais um do time do "mal-banal". Sua esposa refugia-se na Embaixada da Argentina, onde uma "companheira" lhe dá a falsa informação de que seu marido encontrava-se na Embaixada da Colômbia. Quando a farsa cai por terra, sua justificativa foi de "querer acalmar", digamos, como se acalanta uma criança com uma pequena mentira. Será que essa "companheira" um dia se deu conta da desmobilização pela procura do desaparecido que ela provocou? Atitudes como essa, Cora, para mim, está entre a idiotice e a covardia. É duro perceber que aqueles mais eloquentes são os primeiros prontos para as maiores covardias. É duro perceber que você está cercado de gente que se não é canalha, é idiota; se não é idiota, é covarde. E são seus vizinhos, companheiros, colegas, amigos, Cora.
Duro é descobrir que seus amigos, as pessoas que você mais amava, preconizam a mesma ditadura, agora do "outro lado". É difícil ver gente que se apresenta como de "esquerda" defender apaixonadamente tudo o antes identificava os facistas: nacionalismo, intolerância à diversidade, simpatia por atos violentos, culto à personalidade. O anti-imperialismo agora traduz-se no anti-semitismo. O que devia ser uma crítica ao governo xenófobo de Israel transforma-se em ódio aos judeus. Qualquer crítica é taxada como "nazista" ou "pré-nazista", uma redução inadimissível do nazismo. Vide o debate na imprensa de Demétrio Magnole x Tarso Genro. Por tê-lo criticado, Tarso Genro conclui que Demétrio Magnole, pela sua eloquência, é um candidato a Hitler.
Vocês mesmo, da imprensa, Cora, na reação justa de indignação à morte do cinegrafista Santiago Andrade, inconscientemente, ao dar uma cobertura superdimensionada, transmitem uma sensação de corporativismo (olhaí o clã aí) que leva as pessoas se perguntarem se alguém não jornalista teria o mesmo tratamento. Você sabe que não. Os exemplos estão aí, infelizmente, pois estão matando gente a rodo, e das formas mais incrivelmente brutais. Tudo bem, não são kin...
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 27 de junho de 2013
Carta a Cora Rónai a respeito dos médicos estrangeiros
Cora,
Sou
seu leitor. Não tão assíduo porque assiduidade não é meu forte. Mas,
sempre que leio, gosto. Já lhe disse isso. Talvez você se lembre, o que
duvido, frente ao mar de gente que lhe escreve coisas muito mais
interessantes.
Ao mesmo tempo, corre por fora a
questão do Ato Médico. Está sendo discutido no Congresso a anos. À
primeira vista, trata-se de um ato de regulamentação da profissão. No
entanto, contém alguns absurdos que sufocam atividades de saúde não
médicas e submetem aos médicos atividades de profissionais experientes.
Com isso, um médico recém saído de uma residência tem condição legal de
contestar o tratamento de um psicanalista experiente. E, com base legal,
acusá-lo de charlatanismo, se este não se sujeitar ao que foi
prescrito. Uma sujeição por força de lei que lembra os tempos do
absolutismo, em que certa classe de gente não teria, jamais,
prerrogativas afeitas apenas a uma elite.
Há anos,
profissionais sérios da área de saúde não médica lutam para extrair, ou
aperfeiçoar esses aspectos do projeto de lei, para que tenhamos uma
regulamentação justa, que garanta os direitos e determine deveres dos
médicos, sem atropelar atividades idependentes. Encontram resistência
nos próprios médicos que, nesse caso, agem de forma corporativa, e na
indústria farmaceutica que tem interesse em transformar todos os nossos
problemas em uma questão química.
Mas, por força desse
"imbroglio" dos médicos cubanos, o governo faz aprovar o Ato Médico no
Senado com o objetivo exclusivo de tentar abrandar a "fúria" dos
médicos. Como se essa reação fosse apenas dos médicos, não fosse de
parte de toda a sociedade. Tudo isso ao arrepio dos direitos de gente
muito séria trabalhando na área de saúde, muitas vezes "poupando"
pacientes da voracidade da indústria farmaceutica em lhes meter goela
abaixo suas drogas de efeito muito duvidoso.
De forma
cínica, aproveitam-se da falta de informação. É populista e oportunista
trazer a idéia que a saúde vai mal porque faltam médicos, ou esses não
querem trabalhar no interior. Isso é desinformação.
Recentemente fui levado a depender do SUS para um tratamento quimioterápico por pílula. Esse tratamento é genialmente fantástico para a saúde do paciente, porque agride pouco e tem eficácia muito superior à quimioterapia tradicional. Mas ele é ruim para bolso. Acho que 99% da população brasileira não teria condições de financiar um tratamento desses. Por isso o SUS representou um papel fundamental para mim. Pude testemunhar, por força da circunstância, a luta surda que é travada no interior das agências dispensadoras do estado e município para evitar o roubo e a corrupção. Gente que arrisca suas vidas para impedir que essas medicações sejam desviadas para o mercado negro. Isso no Rio de Janeiro, capital. Imagina no interior. Isso tem limite. Já, já, voltaremos ao estado de completa dominação das quadrilhas. Gente vai morrer, mas isso não passará de mais um registro policial.
Recentemente fui levado a depender do SUS para um tratamento quimioterápico por pílula. Esse tratamento é genialmente fantástico para a saúde do paciente, porque agride pouco e tem eficácia muito superior à quimioterapia tradicional. Mas ele é ruim para bolso. Acho que 99% da população brasileira não teria condições de financiar um tratamento desses. Por isso o SUS representou um papel fundamental para mim. Pude testemunhar, por força da circunstância, a luta surda que é travada no interior das agências dispensadoras do estado e município para evitar o roubo e a corrupção. Gente que arrisca suas vidas para impedir que essas medicações sejam desviadas para o mercado negro. Isso no Rio de Janeiro, capital. Imagina no interior. Isso tem limite. Já, já, voltaremos ao estado de completa dominação das quadrilhas. Gente vai morrer, mas isso não passará de mais um registro policial.
Eu pergunto: isso é falta de médico? Sei de cirurgiões que operam pacientes aidéticos sem proteção necessária.
Isso no Rio de Janeiro, capital. É culpa de médicos? Médicos são
assassinados por gente revoltada. Isso na nossa zona rural do Rio de
Janeiro. Eles merecem?
Resumo, eles lá no Planalto, não dão a
mínima para o que acontece na saúde do Brasil. Essa saúde que temos é a
que foi organizada por Adib Jatene. Os atuais governantes querem apenas
não parecer idiotas, um bando de moleques sem rumo, e dar uma cara de
"gente séria". Mais séria que o PSDB, única preocupação que parece lhes
afligir.domingo, 26 de maio de 2013
Veríssimo, o Strangelove das esquerdas
Tem sido difícil ler Veríssimo, ultimamente. Mesmo que, às vezes, me dá pena dele de tantos textos apócrifos que assassinam sua imagem, especialmente no que tange à literatura.
Tem que ver que Veríssimo é gaúcho, isto é, fortemente afetado pelos portenhos, que, entre outras coisas, inventaram o peronismo, uma versão bem particular do populismo cesariano (vejam meu post Os JC's e a maldição dos latinos). Mas, mesmo assim, é difícil aceitar ver esse tão inventivo Veríssimo caído no fanatismo, antes brizolista, e agora petista.
Mas ele se supera em sua coluna de hoje, n'O Globo. Veríssimo comete dois erros tão grosseiros que parece que o editor confundiu-se e publicou um desses textos apócrifos. Nela ele faz uma justa "homenagem" a Henry Kissinger pelo estrago que fez, enquanto no poder. Não discordo. Porém, há quem, no poder, ou fora dele, também provoca estragos. Osama bin Laden, por exemplo. Querem contar quem matou mais? À vontade. Luis Carlos Prestes, pelas bobagens que disse e ordens desastrosas que deu. Querem discordar? Tudo bem. Tem gente que gosta de ser enganada, mesmo. Isso para não falar de Pol Pot, Mao, Stalin, para ficar na esquerda, já que os monstros da direita são facilmente encontráveis nas colunas dos crucificados. Até aí, acho, ou espero, que Veríssimo concorda comigo.
Mas dizer que Kissinger inspirou o personagem Dr. Strangelove, papel título do clássico de Stanley Kubrick! Para começar, o judeu Kubrick não ia pôr um caráter ex-nazista, a imaginar os atos belicistas mais esdrúxulos, como avatar de outro judeu, Kissinger, mesmo esse sendo alemão, mas tendo sofrido perseguição do nazismo. Até onde eu saiba, o filme é de 1964 e, naquela época, Kissinger não era mais do que um obscuro professor de Havard. A inspiração para Dr. Strangelove, baseado no romance de Peter George, Red Alert, de 1958, parece ser um misto de Edward Teller, que liderou o projeto da bomba H e G. von Braun, o pai dos foguetes V-2. Esse último parece ter inspirado, também, o ex-SS Faulkner no romance Space, de James Michener.
Outro erro crasso de Veríssimo é dizer que Hitler acabou com a inflação na Alemanha. Quem acabou com inflação alemã foi H. Schacht em 1923. Este tornou-se nazista, mas isso foi depois. Hitler arruinou a economia alemã e a Alemanha como um todo. Muito o contrário do que Veríssimo fala.
Veríssimo interpõe comentários do chamado senso comum sem se importar, ou se preocupar com a rigor histórico. Será arrogância ou ele já incorporou a babaquice petista de "re-inventar" a história?
Tem que ver que Veríssimo é gaúcho, isto é, fortemente afetado pelos portenhos, que, entre outras coisas, inventaram o peronismo, uma versão bem particular do populismo cesariano (vejam meu post Os JC's e a maldição dos latinos). Mas, mesmo assim, é difícil aceitar ver esse tão inventivo Veríssimo caído no fanatismo, antes brizolista, e agora petista.
Mas ele se supera em sua coluna de hoje, n'O Globo. Veríssimo comete dois erros tão grosseiros que parece que o editor confundiu-se e publicou um desses textos apócrifos. Nela ele faz uma justa "homenagem" a Henry Kissinger pelo estrago que fez, enquanto no poder. Não discordo. Porém, há quem, no poder, ou fora dele, também provoca estragos. Osama bin Laden, por exemplo. Querem contar quem matou mais? À vontade. Luis Carlos Prestes, pelas bobagens que disse e ordens desastrosas que deu. Querem discordar? Tudo bem. Tem gente que gosta de ser enganada, mesmo. Isso para não falar de Pol Pot, Mao, Stalin, para ficar na esquerda, já que os monstros da direita são facilmente encontráveis nas colunas dos crucificados. Até aí, acho, ou espero, que Veríssimo concorda comigo.
Mas dizer que Kissinger inspirou o personagem Dr. Strangelove, papel título do clássico de Stanley Kubrick! Para começar, o judeu Kubrick não ia pôr um caráter ex-nazista, a imaginar os atos belicistas mais esdrúxulos, como avatar de outro judeu, Kissinger, mesmo esse sendo alemão, mas tendo sofrido perseguição do nazismo. Até onde eu saiba, o filme é de 1964 e, naquela época, Kissinger não era mais do que um obscuro professor de Havard. A inspiração para Dr. Strangelove, baseado no romance de Peter George, Red Alert, de 1958, parece ser um misto de Edward Teller, que liderou o projeto da bomba H e G. von Braun, o pai dos foguetes V-2. Esse último parece ter inspirado, também, o ex-SS Faulkner no romance Space, de James Michener.
Outro erro crasso de Veríssimo é dizer que Hitler acabou com a inflação na Alemanha. Quem acabou com inflação alemã foi H. Schacht em 1923. Este tornou-se nazista, mas isso foi depois. Hitler arruinou a economia alemã e a Alemanha como um todo. Muito o contrário do que Veríssimo fala.
Veríssimo interpõe comentários do chamado senso comum sem se importar, ou se preocupar com a rigor histórico. Será arrogância ou ele já incorporou a babaquice petista de "re-inventar" a história?
quarta-feira, 22 de maio de 2013
Síndrome da Reivindicação Sucessiva
Elio Gaspari inverte a orientação do argumento. Usa o conceito da Síndrome da Reivindicação Sucessiva (SRS) para legitimar justamente o se que critica por utilizá-la. E usa, primeiramente, uma argumentação irrefutável em cima de uma tese que todos concordam. Por exemplo. Elio sustenta a tese da contratação de médicos estrangeiros. Diz que o argumento SRS contra a medida é que o SUS deve ser reformulado. Mas, antes, cita a corrupção política. Ataca a SRS como insustentável.
Pois é. Quem é contra que os corruptos devem ir para a cadeia, senão os próprios beneficiados? O raciocínio, assim, já está ganho. Diante desse caso evidente o leitor tende a considerar o próximo caso como da mesma ordem exdrúxula. Como a contratação de médicos estrangeiros não é boa? Isso só pode vir de gente corrupta que está se beneficiando disso.
Errado, Sr. Gaspari. Enquando o senhor usa o termo Reivindicação Sucessiva, na verdade está citando, no caso da corrupção, um caso de "cortina de fumaça". Reivindicação sucessiva é: "as pessoas têm o direito de saquear um supermercado porque estão com fome". Ou então: "as pessoas têm o direito de tocar fogo em tudo o que vêem porque aumentaram abusivamente a passagem". Reivindicação sucessiva é usar um julgamento subjetivo para justificar uma ação normalmente tida como inaceitável. Na justiça criminal, é o argumento do ato "sob forte emoção". Quem vai julgar a "forte emoção", ou o motivo que a provocou? Esse motivo provoca sempre forte emoção?
Outro expediente que Gaspari usa é escolher o argumento contrário mais fraco para sustentar suas opiniões. Gaspari usa a Reivindicação Sucessiva para defender suas idéias. "As pequenas comunidades sofrem com falta de médicos". Pronto. O fato sustenta o ato inaceitável. "Vamos meter médico estrangeiro para resolver o problema". O pior, é que a idéia encontra simpatia. Afinal, os americanos não cresceram em tecnologia trazendo técnicos alemães? Como pode as pessoas não concordarem com isso? Só os que são ameaçados com a medida!
Como os argumentos atuais estão se parecendo, ainda, ou cada vez mais, com os da década de 60!
Pois é. Quem é contra que os corruptos devem ir para a cadeia, senão os próprios beneficiados? O raciocínio, assim, já está ganho. Diante desse caso evidente o leitor tende a considerar o próximo caso como da mesma ordem exdrúxula. Como a contratação de médicos estrangeiros não é boa? Isso só pode vir de gente corrupta que está se beneficiando disso.
Errado, Sr. Gaspari. Enquando o senhor usa o termo Reivindicação Sucessiva, na verdade está citando, no caso da corrupção, um caso de "cortina de fumaça". Reivindicação sucessiva é: "as pessoas têm o direito de saquear um supermercado porque estão com fome". Ou então: "as pessoas têm o direito de tocar fogo em tudo o que vêem porque aumentaram abusivamente a passagem". Reivindicação sucessiva é usar um julgamento subjetivo para justificar uma ação normalmente tida como inaceitável. Na justiça criminal, é o argumento do ato "sob forte emoção". Quem vai julgar a "forte emoção", ou o motivo que a provocou? Esse motivo provoca sempre forte emoção?
Outro expediente que Gaspari usa é escolher o argumento contrário mais fraco para sustentar suas opiniões. Gaspari usa a Reivindicação Sucessiva para defender suas idéias. "As pequenas comunidades sofrem com falta de médicos". Pronto. O fato sustenta o ato inaceitável. "Vamos meter médico estrangeiro para resolver o problema". O pior, é que a idéia encontra simpatia. Afinal, os americanos não cresceram em tecnologia trazendo técnicos alemães? Como pode as pessoas não concordarem com isso? Só os que são ameaçados com a medida!
Como os argumentos atuais estão se parecendo, ainda, ou cada vez mais, com os da década de 60!
sábado, 23 de março de 2013
Roteiro para uma cena urbana no Rio de Janeiro
Tempo: atual
Local: avenida nas imediações do Maracanã, carros jogados, queimados, a fumaça espalha-se por todo canto, alguns focos de fumaça preta aqui e ali. Policiais se retirando. Figurantes em roupas sujas, rotas. Ouve-se gente tossindo.
Maquiagem: pessoas com manchas cinzas e pretas, pelo corpo e rosto, descabeladas, algumas descalças. Uns estão sentados no chão, outros ajoelhados, todos estão prostrados.
Sons de sirenes e ruídos de veículos oficiais ao fundo, mas não muito alto. O clima é de desolação.
Uma figurante, de preferência feminina, no meio das pessoas, mas não escondida, sentada no chão, uma perna dobrada de maneira a manter o joelho acima e a o outra perna, também dobrada, de forma a manter o joelho próximo ao chão, seio nú, comenta, consternada:
- Acabou! A polícia invadiu, tomou tudo. Nossos amigos foram desalojados. Fomos agredidos, alguns de nós estão presos, fomos aviltados. O que faremos agora?
Um outro figurante, sexo indiferente, não ao lado, mas no mesmo bolo, propõe:
- Vamos aplaudir o pôr do sol no Arpoador?!
Coro: - Vamos!
Pano, rápido!
Detalhe: deu praia naquela tarde.
Local: avenida nas imediações do Maracanã, carros jogados, queimados, a fumaça espalha-se por todo canto, alguns focos de fumaça preta aqui e ali. Policiais se retirando. Figurantes em roupas sujas, rotas. Ouve-se gente tossindo.
Maquiagem: pessoas com manchas cinzas e pretas, pelo corpo e rosto, descabeladas, algumas descalças. Uns estão sentados no chão, outros ajoelhados, todos estão prostrados.
Sons de sirenes e ruídos de veículos oficiais ao fundo, mas não muito alto. O clima é de desolação.
Uma figurante, de preferência feminina, no meio das pessoas, mas não escondida, sentada no chão, uma perna dobrada de maneira a manter o joelho acima e a o outra perna, também dobrada, de forma a manter o joelho próximo ao chão, seio nú, comenta, consternada:
- Acabou! A polícia invadiu, tomou tudo. Nossos amigos foram desalojados. Fomos agredidos, alguns de nós estão presos, fomos aviltados. O que faremos agora?
Um outro figurante, sexo indiferente, não ao lado, mas no mesmo bolo, propõe:
- Vamos aplaudir o pôr do sol no Arpoador?!
Coro: - Vamos!
Pano, rápido!
Detalhe: deu praia naquela tarde.
sexta-feira, 8 de março de 2013
Os JC's e a Maldição dos Latinos
Dois sujeitos têm importância crucial na vida ocidental moderna e, particularmente, representam a maldição mais terrível do mundo latino, em especial, latino-americano. Ambos são conhecidos pelos cidadãos contemporâneos por nomes iniciados por "J" e "C", muito embora, originalmente, não eram chamados assim, pelo menos em forma completa.
Por volta do século I aC, cruzam os portões para o interior de Roma, hordas de soldados em formação. Seu comandante: Gaio Julius Caesar. Até aquele momento, jamais um cidadão romano havia adentrado Roma como militar.
César vinha de uma vitoriosa campanha na Gália. É preciso dizer que os romanos detestavam os gauleses. Em tempos passados gaulês era sinônimo de fustigação, invasão, saque e pilhagem. Definitivamente, os gauleses não eram simpáticos aos romanos. Conquistar a Gália, portanto, era um símbolo de vitória e dominação. Saber que os gauleses tinham sido submetidos foi motivo de grande alívio, alegria e sentimento de revanche. Só por isso César já passaria para a História como grande general.
Roma começava a viver períodos conturbados em sua república. Os cônsules se revezavam sem conseguir se firmar no poder, a corrupção imperava, intrigas enfraqueciam o senado. César aproveita-se dessa situação e o promove o primeiro golpe de estado militar da história de Roma. César se instala como ditador. Para se legitimar no poder anistia e atrai oponentes, perdoa quem se opôs ao golpe, entre eles Marcus Junius Brutus, órfão de um herói de guerra e filho de uma das amantes de César, que o toma como padrasto. Além disso massacrou tentativas de reversão, perseguiu Pompeu até este ser assassinado em traição.
Para se legitimar no poder tomou uma série de iniciativas. Determinou um salário para todos os cidadãos, premiou legionários fiéis, nomeou populares para o senado. Aos olhos de hoje, César seria um populista. Para dizer a verdade, acho que César foi o primeiro populista da história.
Suas iniciativas enfureceram a elite romana e não foi difícil planejar seu assassinato. Sua morte provocou uma comoção popular tão grande que fez os senadores romanos temerem por suas vidas.
Cerca de meio século depois, nasceu, em Belém, na Palestina um garoto, filho de uma família abastada, chamado Iuosha. Há muita polêmica sobre a origem desse bebê. Historiadores sustentam que o mais provável é que Maria, uma adolescente, teria sido estuprada por um soldado romano. Grávida seria morta por apedrejamento, pena, na época, naquelas bandas, imputada às mães solteiras. José, carpinteiro, viúvo, idoso, amigo da família, se dispôs a casar com ela para evitar sua morte. Parece que esse mito da Concepção viria depois, em amálgama com as desculpas por Iuosha ter nascido tão cedo após o casamento.
Desde garoto, Iuosha mostrou-se um prodígio. Capaz de ler as escrituras, coisa que só os abastados poderiam, já discutia com rabinos os textos sagrados. Adulto, aparentemente, Iuosha se tornou um curador, espécie de médico sem chancela. Revoltado com a ostentação dos renegados como Herodes, o rei da Galiléia, diante de uma miséria atroz, Iuosha se notabilizou por discursos e pregação pelos pobres, contra os ricos que se aproveitavam do domínio romano. Sua atuação amealhou seguidores e ameaçou os rabinos renegados. Iuosha entrou montado numa mula pelo portão leste de Jerusalém, na véspera da Páscoa judia. Esse ato tinha uma significação especial, pois pelas escrituras o Messias faria isso. Notem o simbolismo dessa entrada pelo portão de Jerusalém e de César com seu exército. O resto é o que se sabe.
Foi o grego Saulo de Tarso, depois Paulo, quem iniciou a pregação dos pensamentos de Iuosha Messiah, como era chamado, para fora da Palestina. Paulo chamava, por equívoco, Iuosha de Jesus e o cunhava de "O Cristo" termo grego para o aramaico Messiah, que quer dizer "o ungido".
Curiosamente, foram os romanos que espalharam a religião cristã para o mundo. Após a revolta de Massalah, em vez de massacrar todos os palestinos e destruir tudo o que encontravam, que era a pena que os romanos reservavam para os revoltosos, nesse caso, porque Vespasiano precisava de dinheiro para financiar a construção do Coliseu, os soldados trouxeram os judeus como prisioneiros e os venderam como escravos. Escravos, os judeus em Roma, pregavam as palavras de Jesus Cristo.
Poderíamos dizer que Jesus Cristo deu base teórica ao populismo.
Outro JC. Enquanto um, imperador, teve a imagem imbuida de tal força que os imperadores que se seguiram em Roma eram chamados de César, na região da germânia, apareceu a figura do Keiser (Kaiser), na Rússia, a figura do Csar. Ambos derivados do imperador romano. César também é considerado o maior estadista do mundo ocidental.
Desde então, nós latinos, repetimos de forma mórbida, neurótica e obsessiva o que fez Júlio César. Ditadores se revezam e baseiam seus atos na repetição do que fez Júlio César e disse Jesus Cristo. Assim como o neurótico não se livra da cena daquilo que ele interpretou como estupro, nós, os latinos, não nos livramos da cena do estupro a Roma, através da penetração das divisões do exército romano. Repetimos e repetimos. Não saímos disso. Sempre irá aparecer multidões de fanáticos seguidores, dispostos a matar ou morrer pelo "César" de plantão.
Como Sísifo, rei de Corinto, foi condenado a empurrar uma grande pedra montanha acima para, lá chegando, ver a pedra rolar de volta para baixo, e assim, ter de recomeçar, nós, os latinos, estamos condenados a assistir, eternamente o aparecimento de ditadores, caudilhos e usurpadores a repetir o populismo de Júlio César.
Não há cura, pois Freud tratou dos indivíduos neuróticos, mas nada comentou acerca do tratamento às sociedades neuróticas. Péron, Vargas, Fidel, Chaves, Brizola, e, por que não?, Lula, são diferentes versões, algumas grotescas, do grande Júlio César. É preciso notar que, após César, Roma nunca mais recuperou a democracia. Alcançou alguma prosperidade, mas a república estava caída de morta. O populismo foi praticado por, literalmente, todos os imperadores e ditadores que dominaram Roma, após Júlio César. Mesmo Nero, que parece, não era tão mau como pintado por seus detratores.
Por volta do século I aC, cruzam os portões para o interior de Roma, hordas de soldados em formação. Seu comandante: Gaio Julius Caesar. Até aquele momento, jamais um cidadão romano havia adentrado Roma como militar.
César vinha de uma vitoriosa campanha na Gália. É preciso dizer que os romanos detestavam os gauleses. Em tempos passados gaulês era sinônimo de fustigação, invasão, saque e pilhagem. Definitivamente, os gauleses não eram simpáticos aos romanos. Conquistar a Gália, portanto, era um símbolo de vitória e dominação. Saber que os gauleses tinham sido submetidos foi motivo de grande alívio, alegria e sentimento de revanche. Só por isso César já passaria para a História como grande general.
Roma começava a viver períodos conturbados em sua república. Os cônsules se revezavam sem conseguir se firmar no poder, a corrupção imperava, intrigas enfraqueciam o senado. César aproveita-se dessa situação e o promove o primeiro golpe de estado militar da história de Roma. César se instala como ditador. Para se legitimar no poder anistia e atrai oponentes, perdoa quem se opôs ao golpe, entre eles Marcus Junius Brutus, órfão de um herói de guerra e filho de uma das amantes de César, que o toma como padrasto. Além disso massacrou tentativas de reversão, perseguiu Pompeu até este ser assassinado em traição.
Para se legitimar no poder tomou uma série de iniciativas. Determinou um salário para todos os cidadãos, premiou legionários fiéis, nomeou populares para o senado. Aos olhos de hoje, César seria um populista. Para dizer a verdade, acho que César foi o primeiro populista da história.
Suas iniciativas enfureceram a elite romana e não foi difícil planejar seu assassinato. Sua morte provocou uma comoção popular tão grande que fez os senadores romanos temerem por suas vidas.
Cerca de meio século depois, nasceu, em Belém, na Palestina um garoto, filho de uma família abastada, chamado Iuosha. Há muita polêmica sobre a origem desse bebê. Historiadores sustentam que o mais provável é que Maria, uma adolescente, teria sido estuprada por um soldado romano. Grávida seria morta por apedrejamento, pena, na época, naquelas bandas, imputada às mães solteiras. José, carpinteiro, viúvo, idoso, amigo da família, se dispôs a casar com ela para evitar sua morte. Parece que esse mito da Concepção viria depois, em amálgama com as desculpas por Iuosha ter nascido tão cedo após o casamento.
Desde garoto, Iuosha mostrou-se um prodígio. Capaz de ler as escrituras, coisa que só os abastados poderiam, já discutia com rabinos os textos sagrados. Adulto, aparentemente, Iuosha se tornou um curador, espécie de médico sem chancela. Revoltado com a ostentação dos renegados como Herodes, o rei da Galiléia, diante de uma miséria atroz, Iuosha se notabilizou por discursos e pregação pelos pobres, contra os ricos que se aproveitavam do domínio romano. Sua atuação amealhou seguidores e ameaçou os rabinos renegados. Iuosha entrou montado numa mula pelo portão leste de Jerusalém, na véspera da Páscoa judia. Esse ato tinha uma significação especial, pois pelas escrituras o Messias faria isso. Notem o simbolismo dessa entrada pelo portão de Jerusalém e de César com seu exército. O resto é o que se sabe.
Foi o grego Saulo de Tarso, depois Paulo, quem iniciou a pregação dos pensamentos de Iuosha Messiah, como era chamado, para fora da Palestina. Paulo chamava, por equívoco, Iuosha de Jesus e o cunhava de "O Cristo" termo grego para o aramaico Messiah, que quer dizer "o ungido".
Curiosamente, foram os romanos que espalharam a religião cristã para o mundo. Após a revolta de Massalah, em vez de massacrar todos os palestinos e destruir tudo o que encontravam, que era a pena que os romanos reservavam para os revoltosos, nesse caso, porque Vespasiano precisava de dinheiro para financiar a construção do Coliseu, os soldados trouxeram os judeus como prisioneiros e os venderam como escravos. Escravos, os judeus em Roma, pregavam as palavras de Jesus Cristo.
Poderíamos dizer que Jesus Cristo deu base teórica ao populismo.
Outro JC. Enquanto um, imperador, teve a imagem imbuida de tal força que os imperadores que se seguiram em Roma eram chamados de César, na região da germânia, apareceu a figura do Keiser (Kaiser), na Rússia, a figura do Csar. Ambos derivados do imperador romano. César também é considerado o maior estadista do mundo ocidental.
Desde então, nós latinos, repetimos de forma mórbida, neurótica e obsessiva o que fez Júlio César. Ditadores se revezam e baseiam seus atos na repetição do que fez Júlio César e disse Jesus Cristo. Assim como o neurótico não se livra da cena daquilo que ele interpretou como estupro, nós, os latinos, não nos livramos da cena do estupro a Roma, através da penetração das divisões do exército romano. Repetimos e repetimos. Não saímos disso. Sempre irá aparecer multidões de fanáticos seguidores, dispostos a matar ou morrer pelo "César" de plantão.
Como Sísifo, rei de Corinto, foi condenado a empurrar uma grande pedra montanha acima para, lá chegando, ver a pedra rolar de volta para baixo, e assim, ter de recomeçar, nós, os latinos, estamos condenados a assistir, eternamente o aparecimento de ditadores, caudilhos e usurpadores a repetir o populismo de Júlio César.
Não há cura, pois Freud tratou dos indivíduos neuróticos, mas nada comentou acerca do tratamento às sociedades neuróticas. Péron, Vargas, Fidel, Chaves, Brizola, e, por que não?, Lula, são diferentes versões, algumas grotescas, do grande Júlio César. É preciso notar que, após César, Roma nunca mais recuperou a democracia. Alcançou alguma prosperidade, mas a república estava caída de morta. O populismo foi praticado por, literalmente, todos os imperadores e ditadores que dominaram Roma, após Júlio César. Mesmo Nero, que parece, não era tão mau como pintado por seus detratores.
segunda-feira, 4 de março de 2013
Miss Bixete, outros babados e babaquice do trote no Brasil
Eu digo sempre que nossa maior característica é a macaquear os americanos e depois renegá-los. Um exemplo é a instituição do trote nas universidades brasileiras. Isso não existe na Europa. Se existe, o trote não passa de um conjunto de tarefas, espécie de gincana, que não varia de ano a ano. Levantar dinheiro para alguma instituição de ajuda ao terceiro mundo, sem a estupidez de pintura, cortes de cabelo e outras humilhações, é uma das coisas que, eventualmente, acontece por lá.
A origem do trote vem dos Estados Unidos. E, sob todo e qualquer aspecto, é muito, muito diferente em caráter e execução.
Para começar, ninguém é submetido a qualquer tipo de constrangimento quando chega ao campus. Há uma apresentação de responsáveis, que, na maioria das vezes, são veteranos, que se encarregam de dividir acomodações e outros tipos de providências para a instalação do calouro.
Uma característica adicional se apresenta. Existem as "irmandades". Cada universidade tem, por tradição, um conjunto delas com nomes, brasões e sedes extra-campus e, via de regra, se eternizam em sua vida, se acaso você chegar a fazer parte de uma delas.
É daí que vem o chamado trote brasileiro: para ingressar numa irmandade, privilégio nunca dado a calouro da universidade, você deve, depois de apresentar uma certa performance curricular e/ou econômica, se submeter a algumas tarefas mais ou menos esdrúxulas e/ou humilhantes. Quem viu "A Rede Social", que apresenta o processo de criação do Facebook, sabe da "tarefa" do brasileiro Ricardo Savarin para entrar em uma dessas irmandades da Universidade de Harvard: cuidar de uma galinha. Há outros filmes que mostram que para entrar em certas irmandades você teria de lutar um corpo a corpo com outros pretendentes em uma "caldeirão de m...".
Cada "calouro" tem um "padrinho" veterano. Na menção daquele desistir, esse se apresenta para incentivar a continuar, pois as "vantagens" que virão compensam em muito o quê se está passando. E não estão mentindo. Dentro daquilo em que acreditam, para eles, as vantagens são compensadoras.
E mais, as irmandades nunca são mistas. Há as masculinas e as femininas. Portanto, por mais esdrúxula que seja a tafera, ela nunca envolve humilhação de caráter sexual. E se, por acaso, você não se candidatar para o ingresso de nenhuma irmandade, você nunca será obrigado a se submeter a uma dessas provas. A pena é não ter o direito de gozar de certos privilégios que as irmandades garantem a seus membros: desde os mais mundanos, como participar de festas regadas a "grouppies muito a fim" dos membros daquela irmandade, até o direito de participar de confrarias e obter seus privilégios econômicos e sociais para o resto da vida. Diz a lenda que a CIA foi criada pelos membros de uma dessas irmandades de Princeton.
E no Brasil? O que acontece? Como sempre, tendemos a copiar a forma, esquecendo o conteúdo. Não existem irmandades, não existem privilégios, não existe conceito de grupo. Um bando de babacas recalcados se acham no direito de humilhar, agredir e constranger. Calouros suficientemente deslumbrados com a nova condição que se descortina aceitam tudo isso na base do "está por conta". Alguns deles irão se manifestar na mesma babaquice nos anos seguintes. E assim "la nave va..."
A origem do trote vem dos Estados Unidos. E, sob todo e qualquer aspecto, é muito, muito diferente em caráter e execução.
Para começar, ninguém é submetido a qualquer tipo de constrangimento quando chega ao campus. Há uma apresentação de responsáveis, que, na maioria das vezes, são veteranos, que se encarregam de dividir acomodações e outros tipos de providências para a instalação do calouro.
Uma característica adicional se apresenta. Existem as "irmandades". Cada universidade tem, por tradição, um conjunto delas com nomes, brasões e sedes extra-campus e, via de regra, se eternizam em sua vida, se acaso você chegar a fazer parte de uma delas.
É daí que vem o chamado trote brasileiro: para ingressar numa irmandade, privilégio nunca dado a calouro da universidade, você deve, depois de apresentar uma certa performance curricular e/ou econômica, se submeter a algumas tarefas mais ou menos esdrúxulas e/ou humilhantes. Quem viu "A Rede Social", que apresenta o processo de criação do Facebook, sabe da "tarefa" do brasileiro Ricardo Savarin para entrar em uma dessas irmandades da Universidade de Harvard: cuidar de uma galinha. Há outros filmes que mostram que para entrar em certas irmandades você teria de lutar um corpo a corpo com outros pretendentes em uma "caldeirão de m...".
Cada "calouro" tem um "padrinho" veterano. Na menção daquele desistir, esse se apresenta para incentivar a continuar, pois as "vantagens" que virão compensam em muito o quê se está passando. E não estão mentindo. Dentro daquilo em que acreditam, para eles, as vantagens são compensadoras.
E mais, as irmandades nunca são mistas. Há as masculinas e as femininas. Portanto, por mais esdrúxula que seja a tafera, ela nunca envolve humilhação de caráter sexual. E se, por acaso, você não se candidatar para o ingresso de nenhuma irmandade, você nunca será obrigado a se submeter a uma dessas provas. A pena é não ter o direito de gozar de certos privilégios que as irmandades garantem a seus membros: desde os mais mundanos, como participar de festas regadas a "grouppies muito a fim" dos membros daquela irmandade, até o direito de participar de confrarias e obter seus privilégios econômicos e sociais para o resto da vida. Diz a lenda que a CIA foi criada pelos membros de uma dessas irmandades de Princeton.
E no Brasil? O que acontece? Como sempre, tendemos a copiar a forma, esquecendo o conteúdo. Não existem irmandades, não existem privilégios, não existe conceito de grupo. Um bando de babacas recalcados se acham no direito de humilhar, agredir e constranger. Calouros suficientemente deslumbrados com a nova condição que se descortina aceitam tudo isso na base do "está por conta". Alguns deles irão se manifestar na mesma babaquice nos anos seguintes. E assim "la nave va..."
Assinar:
Comentários (Atom)