sábado, 12 de novembro de 2022

Lula Presidente!

 Não vai dar. Já não deu na primeira vez! Por que daria na segunda?

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Gal e Boldrin

E Gal & Boldrin, quem diria, hein? Combinaram de se encontrar lá na nuvem dos santos musicais. Bem ao lado da do primeiro time dos literatos, um pouco acima das backing-voices e músicos de palco e estúdio. Foram se juntar aos tantos que já nos deixaram. Foram pedir benção a Luiz Melodia.

Vendo como andam as coisas por aqui, já queria chegar logo na da fila do gargarejo...

Vai daí, pessoal das nuvens! Me manda um motivo prá ficar.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Os Mandamentos da Inovação que nunca vigoraram em nosso Patropi

 Estou lendo, da dupla Victor W. Wang & Greg Horowitt, "The Rainforest: The Secrets to Building the Next Silicon Valley", um debate sobre o que fazer e não fazer para gerar um ambiente de inovação como aquele que se viu, ou ainda se vê, no Silicon Valley, região da California exemplo desta virtude. Os autores usam o termo "rainforest", mal traduzindo, "floresta tropical", como metáfora para a via da inovação. "Numa eira bem controlada, vemos uniformidade, qualidade, mas é só. Ali nunca encontraremos coisa inédita", dizem os autores, para exemplificar que um ambiente de inovação só é possível onde ordem não encontra espaço para prosperar. Eis aqui a primeira contradição, no que nos diz respeito. Está na nossa bandeira: Ordem e Progresso. Pois bem, depreendemos dos autores que, se queremos progresso, não há de se impor ordem. A propósito, encontrei hoje no texto de Cora Rónai o termo 'oximoro'. Ela se referia à expressão "bolsonarista inteligente" (eu acrescentaria, no mesmo contexto, "petista razoável"). Então, eis a definição que cabe como uma luva no lema de nossa bandeira. Trazemos o oximoro original: Ordem e Progresso não combinam. Em si, já definem nosso país paradoxal.

Voltando ao livro. Estou no ponto em que os autores definem os mandamentos visíveis e escondidos para que apareça um ambiente de inovação, tão desejado porque - malgrado o pensamento que vige em nossos mandantes, da direita e da esquerda, que riqueza se acha sob os pés, ou se fabrica em monstruosas máquinas de aço - seria o caminho de nossa redenção. Vou listá-los aqui. Os autores usam aquele inglês Shakespeariano. Ainda mal traduzindo (os puristas que procurem no original), sigo a regra:

1 - Educarás o povo;

2 - Desenvolverás os bens públicos necessários (estradas, pontes, polícia, tribunais, forças armadas etc);

3 - Investirás em ciência e tecnologia para gerar mais conhecimento e descobrimento;

Agora vem o que não fazer:

4 - Não criarás regulações impeditivas;

5 - Não permitirás corrupção;

6 - Não interferirás na liberdade de contratos;

7 - Não permitirás que a inflação fuja do controle.

Apresentados como libelo necessário pelos economistas clássicos, dizem os autores, esses "Mandamentos" se caracterizam em determinar o ambiente do "homus economicus", base liberal com que esses economistas julgam necessário e suficiente para o bom desenvolvimento econômico. No entanto, nossos autores dizem que isso não é "suficiente". Talvez o necessário. 

Assim, eles avançam na direção dos mandamentos "escondidos". Mas eu fico por aqui. Wang & Horowitt prestam consultoria a um sem-número de governos dentro e fora dos Estados Unidos por terem estudado a fundo o fenômeno que marcou o Silicon Valley desde a década de 1980. Fazem incursões não só na economia, mas na antropologia, sociologia, ciências sociais de forma geral, como também em psicologia. Têm sido essenciais na introdução e aperfeiçoamento de novos ambientes inovativos como em Jersey e Israel. Suas palestras são disputadas a tapa pelo mundo inteiro, pelo menos aquela parte do mundo onde há interesse e espaço para inovação.

Eu me pergunto: e o Brasil? Olhando para os mandamentos "clássicos" já vejo que, pelo paradoxismo que marca nossa essência, negamos os três primeiros e afirmamos os quatro últimos, justamente o contrário do que devia ser. E nem entramos no debate daqueles mandamentos escondidos, que, segundo os autores, são os que nos levariam a sermos realmente inovadores.

Teríamos que mudar o lema de nossa bandeira: Progresso Por Favor, esquece a Ordem.

É, acho que não vai dar certo. 

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

É a natureza, estúpido!

 Foi assim: de uma peça de meu "fraseário" partiu uma linha de raciocínio. A frase: "Por onde passa água, passa baratas". Ela vem na sequência de uma nota que diz: "Após anos de observação de ralos", cheguei a essa singela conclusão. Lá, onde escôo a água suja com que lavei chãos de banheiros, cozinhas e alpendres, também é de onde vêm esses bichos asquerosos, campeões na competência de nos parasitar (estão pau-a-pau com os ratos). 

Para evitar esse efeito colateral, podemos instalar uma rede própria que impede esses bichos de passarem, mas também impede de nos livrarmos de "sujeiras" de tamanho equivalente, além de facilmente entupir, impossibilitando o dispositivo de cumprir a tarefa para a qual foi projetado: permitir o escoamento de nossa sujeira do dia-a-dia.

Então, é isto: pelo orifício onde nos livramos de nossos percalços vêm os portadores de males talvez maiores. Esta é a conclusão quando partimos deste fato para a metáfora.

A lição que tiramos, "gafanhoto", é que toda ação que tomamos para nos beneficiar vai, no final, nos trazer um custo. É a natureza que sempre cobra nossos lucros. Não é a coisa do capitalismo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Urna eletrônica

 De que vale urnas seguras, eleições limpas, se esse sistema político nos faz eleger um semianalfabeto pretencioso e corrupto, seguido de uma débil mental arrogante e disléxica para terminar num jumento fascista de terno?

domingo, 10 de julho de 2022

Fabricando o Absolutismo

 Tenho acompanhado a série "Making a Murderer", na Netflix. Trata-se de uma sequência de episódios documentando uma investigação e processo acerca de um assassinato escabroso ocorrido no interior do Estado de Wisconsin. A história começa com a libertação de um suposto agressor sexual condenado injustamente por tentativa de estupro, e mais tarde sofrerá uma acusação de assassinato pelos mesmos policiais de sua cidade, agora auxiliados pelo promotor e pelo xerife de uma cidade vizinha, com o fim de "eximir" seus colegas de qualquer dúvida quanto às suas intenções e também porque foi lá que o desaparecimento da vítima foi registrado.

No desenrolar da história, fica nítida a antipatia do xerife da cidade pela família do acusado. Esta possui um ferro-velho e explora o serviço de reboque e remoções. Parece que há uma rusga anterior sugerida apenas pela queixa de uma cunhada do xerife por uma incursão do, mais tarde, acusado, que joga seu carro contra o dela num descampado completamente tomado pela neve, como sói acontecer por aqueles cantos. Era a reação dele que se queixava de que tinha sido acusado injustamente por ela de uma cena de exibicionismo sexual que o documentário nos induz a acreditar que teria, na verdade, sido praticado pelo real agressor sexual cuja acusação o rapaz do ferro-velho sofreria depois.

A tentativa de estupro, diga-se de passagem, visou uma mulher bastante respeitada na comunidade. Por semelhança e, possivelmente, por direção enviesada do policial-desenhista, a vítima termina por reconhecer o rapaz do ferro-velho como seu agressor.

Após 18 anos, através da introdução da técnica do DNA, foi possível inocentar o rapaz e provar a autoria do agressor, que era reconhecido pela comunidade por conta de agressões anteriores e que, ao se livrar desta acusação, ainda praticou outras, até ser preso, alguns anos depois. Assim, a polícia e a promotoria não só acusaram injustamente um inocente, como também deixaram na rua um agressor, livre para repetir seu crime. Esta situação não pareceu afetar os policiais e o promotor de alguma forma.

É aqui que começa o drama. A série nos orienta a concluir que, não só por um inconcebível erro judicial, como também por atitudes repugnantemente tendenciosas e criminosas dos policiais, que usam suas prerrogativas para plantar provas e impedir a defesa de fiscalizá-los, o rapaz, que claramente não passa de um matuto, será condenado por um assassinato hediondo. Tudo parece indicar que a idéia é livrar as autoridades da cidade de uma indenização milionária, que as seguradoras, percebendo a forma tendenciosa de como as investigações foram conduzidas, se negaram a cobrir. A pressão fez o rapaz negociar a indenização, de tal forma que lhe sobraram recursos tão somente para financiar sua defesa na nova acusação. Parece que os acusadores esperavam que ele aceitasse se declarar culpado e, por uma armação combinada, pegaria prisão por alguns anos com direito a condicional. Acontece que, por "burrice" ou teimosia, o rapaz preferiu partir para sua defesa.

Orientada por uma ONG de proteção aos direitos civis, a família do rapaz contrata dois advogados de peso. A acusação reagiu, partindo para o ataque. Por falta de material, armou-se de golpes baixos. Novas evidências vão surgindo em incontáveis buscas e revistas ao domicílio e oficinas do acusado, regidas ao bel-prazer dos acusadores, a cada vez que a defesa denuncia e descortina complôs e armações promovidas com o intuito de sustentar a acusação, tudo nas barbas de um tribunal sob o comando de um juiz fraco e voluntarista. A narrativa da promotoria não se sustenta. Mesmo com as provas plantadas, as coisas não batem, sempre a dúvida prevalece. E no entanto, tudo leva a crer que o desfecho será a condenação, pelo simples fato que o policiais são tidos como idôneos. Além disso, os acusadores levam o público a crer que os advogados de defesa são mal intencionados e se servem de argumentos sofismáticos com a idéia e semear confusão.

Eis aqui um exemplo claro do que chamo "absolutismo do poder da virtude". Supõe-se que os poderosos são virtuosos, logo é desnecessário submetê-los ao controle da coletividade. Foi assim no absolutismo da monarquia francesa. É assim com a polícia e sistema judicial da totalidade dos países. É assim com agentes fiscalisadores das três instâncias: federal, estadual e municipal. É assim com parlamentares, presidentes, governadores, politicos em geral e juízes de todas as instâncias. Não importa o país. Começa com atitudes de tímida corrupção: pequenos pecados. Termina com a corrupção generalizada.

E tem gente que acredita na virtude e insiste: agora vai dar certo! Querem votar em quem já provou ser desonesto, ou em jumentos vestidos de humanos. Aceitam este estado fascista como fato consumado. 

E la nave va...

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Guarda bem

 Guarda bem na tua memória o que disseram aqueles que se posicionaram pela "Rússia", quando o Monstro do Kremlin ordenou suas tropas invadirem a Ucrânia. Tanto aqueles que rezam na cartilha do Molusco, quanto aqueles que rezam (literalmente) as idiotices do Bozo. Agora, eles estão calados, pois uma palavra a favor desta carnificina não "pega bem". Mas, assim que se abrir uma brecha, virão eles prontos para defender o carniceiro. Mas, se a maré continuar a virar contra eles, eles se calarão e poderão chegar até a dizer que eles nunca apoiaram "tais coisas".

Então, guarda bem, amigo, o que disseram eles, independente de que lado estejam. Guarda bem, pois é isso o que eles querem fazer. Seus desejos e aspirações não têm o que tirar nem por dos atos do Monstro do Kremlin.

segunda-feira, 14 de março de 2022

Que fique claro

 As exigências russas para parar a agressão são medidas anódinas, como a Ucrânia jurar que nunca vai entrar na OTAN, nem na Europa, entregar a Criméia (como se já não tivesse sido tomada) e as províncias do leste, onde os russos financiam um levante armado.

Putin não quer isso o que a Rússia exige para "parar" a guerra. Essas exigências são imposição tampão para algo maior e mais nefasto. Putin quer o império czarista de volta usando os métodos czaristas. Quer recuperar o que foi perdido porque ruiu. Ruiu de velho, ruiu de podre. E depois de alcançar este seu objetivo nostálgico, se conseguir, vai atrás do antigo império soviético e a cortina de ferro, que apodreceu antes de envelhecer. E depois de alcançado este objetivo inatingível, Putin vai querer a Europa sob seu domínio e, finalmente, abater o que ele considera seu grande inimigo: os Estados Unidos. Daí ele vai achar que terá o mundo a seus pés.

Gente assim deve ser combatida na base, na origem. Gente que ao obter a mão, vai logo puxando o braço, deve ser extirpada no nascedouro. Para isso, deve-se arcar com algum custo, que vai subir na medida que passa o tempo. Quando tomar seu dedo, você deve decepá-lo e atirar para matar. Se chegar na mão, corte a mão. Se chegar no braço, é o braço que terá de perder. Pois chegará um ponto em que ele vai lhe tormar por inteiro, e você não terá mais a chance nem de tirar a própria vida, pois ela já não lhe pertence mais.

Putin está tomando a mão. Será que vamos nos conscientizar antes de chegar no braço?

sábado, 5 de março de 2022

Da Maldade à Tirania

 Que a maldade impera na civilização humana, ninguém pode negar. Atos inomináveis que se praticam contra o ser humano (assim como contra animais, por todos os motivos conhecidos) povoam a História e são cada vez mais frequentes e monstruosos, isto é, a monstruosidade aumenta com o tempo.

Tiranos são capazes das maiores maldades. E a conta não recai somente sobre as costas do mandatário. Há aqueles que o sustentam no poder, pelos mais variados motivos, mas o maior deles é o proveito que tiram deste suporte, seja poder ou dinheiro. Há, também, os que executam os atos maldosos. Estes aproveitam a ocasião para dar vazão aos seus instintos sádicos e malignos. E ainda há o povo, em sua maioria, que acede aos atos de seu tirano, seja por se deixar enganar por suas mentiras, seja porque concorda, mesmo que inconscientemente, ou ainda, embora consciente, nada faz por puro medo.

Nos últimos tempos tenho sido tomado pela perplexidade. Primeiro veio a pandemia: coisa nova para mim, pois nasci num período em que tais desastres haviam passado. No seu início, costumava comentar que nunca tinha passado pela minha cabeça viver tal situação, que julgava superada. 

Agora, vem-me à cabeça o mesmo pensamento: nunca pensei que viveria para ver tamanha desfaçatez na humanidade, que julgava coisa do passado, nem tão distante, é verdade, mas que conhecia apenas em livros ou no cinema. 

Nunca pensei que iria assistir uma invasão de uma potência militar a um país vizinho, destruindo impiedosamente tudo o que encontra pela frente, submetendo a população civil, inocentes, famílias inteiras, crianças, velhos e deficientes, a uma violência atroz, inenarrável, injustificável. A única falta desta gente foi querer viver tranquilamente, elegendo quem lhe veio à cabeça para lhes liderar (um comediante, seguindo a tendência mundial de eleger palhaços, alguns inofencivos, outros de essência sádica e mórbida). O povo ucraniano só queria viver suas vidas em paz. 

Você poderá dizer que há neonazistas vicejando por lá. É verdade, mas, de novo, esta praga aparece em tudo quanto é canto. Mesmo no Brasil, com toda a sua miscigenação, um lugar improvável para este tipo de fanatismo, vamos encontrá-los.

Nunca pensei em assistir ao vivo cenas cuja estupidez era narrada no cinema, onde o inimigo cruel e impiedoso viria a praticar os atos mais vis, movidos pelo ódio que povoa a cabeça das mentes mais selvagens, cruéis, pérfidas e desprezíveis que a humanidade conheceu no século XX.

O holocausto é o episódio mais pérfido da idade moderna, e não se enganem, poderá ser repetido agora, com a diferença de que as vítimas provavelmente não serão apenas judeus. 

Pensei que isso tinha sido superado pela humanidade. O povo alemão, que por acidente ou não, foi o principal protagonista da insanidade dos meados do século XX, se conscientizou e se redimiu do monstro que germinou em seu ventre e que proporcionou o horror que até hoje, nós, da geração contemporânea do baby-boom só conhecíamos de relatos, documentários da época e de cenas nas telas do cinema.  Eles, os alemães, superaram a insensatez. E nos ajudaram a nos conscientizarmos do quê somos todos, alemães ou não, capazes de praticar. Achei que o horror tinha sido banido. 

Vejo que uma parte do mundo ficou fora deste aprendizado. O povo russo, vitimizado pelas atrocidades do nazismo, ficou alienado das atrocidades do stalinismo. E estas foram equivalentes àquelas, quiçá ainda mais horrorosas. Protaganizando atrocidades ainda mais extensas, pérfidas, inadimissíveis, a liderança soviética negou ao seu povo a consciência do que se é capaz de fazer contra seus vizinhos. E este, por medo, ignorância, ou inconsciência, apóia a liderança atual. O povo russo não se redimiu porque se lhe aprendeu que também foi vítima. Uma vítima que se superou, que superou o inimigo pérfido e cruel. Não se conscientizou da própria crueldade. 

O povo russo agora apoia um lider arrogante, prepotente, cruel, desumano, cínico e destituído de qualquer humanidade, sob o pretexto da proximidade, da vizinhança, da reocupação de um território que pretende que seja sua origem, que quer tomar como seu. Se formos usar estes argumentos para nossa própria condição, não haverá paz no mundo. A geografia do mundo é a de agora. Não se ataca um povo pacífico, que jamais ameaçou, que queria viver sua vida em paz, construindo sua própria identidade, sua própria nacionalidade. Não importa o que era antes. Se assim for, nos mataremos todos.

Hoje, aquele que chamarei desde agora "o monstro do Kremlin" avisa que promoverá execução pública de qualquer ucraniano que for pego resistindo. Se sobrevivermos ao que virá, nossos filhos e netos assistirão filmes mostrando, não mais nazistas executando heróis resistentes, mas, soldados russos executando heróis ucranianos.

O povo russo perdeu. Espero que encontre espaço para um dia se redimir. O russo é o povo nazista de hoje. O Monstro do Kremlin fala em retomar as antigas repúblicas soviéticas para se "defender" (do que seria?). Será mera coincidência alguma semelhança com "espaço vital" de Hitler?

Aqueles que, por ignorância ou cinismo, apoiam as atrocidades do Monstro do Kremlin, têm o meu mais completo e absoluto desprezo, porque eles não sofrerão as consequências, como o povo alemão sofreu, nem o povo russo, assim acredito, sofrerá.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Vermelhinho

Quem nasceu, viveu ou morou em São Vicente por algum tempo, ouviu falar de um sujeito de apelido "Vermelhinho". Pessoalmente, eu não saberia reconhecê-lo, pois nunca apontaram para mim a figura do elemento. Lembro apenas de minha mãe descrevendo-o que ficava "vermelho" em certas ocasiões vexatórias. Conheci membros de sua família e posso dizer, pela minha experiência, que todos ali seguiam a linha do caráter de seu "patriarca": ninguém prestava.

Vermelhinho aparecia na cidade de tempos em tempos e todas as vezes que o fazia era aprontando algum golpe: seja loteando a Ilha Porchat (algo como fazer o mesmo com o Pão de Açucar, no Rio de Janeiro), ou vendendo terrenos que se descobriria depois se tratarem de quarteirões, já bem loteados, no centro de Itanhaém ou Mongaguá, cidades já bem estabelecidas há séculos, mas desconhecidas dos incautos na época. Enfim, Vermelhinho sempre vinha com alguma picaretagem. Via de regra, era preso por estelionato. Era época em que "espertos" como ele eram dados por inofensivos, desde que não fosse você a vítima.

Assisti de perto um episódio envolvendo membros de sua família que não deixo de me recordar de tempos em tempos, por insólito e divertido. Estava eu tranquilo bebendo em mais uma caneca de chopp de que tinha direito, em mais uma festa do chopp, no clube local. A "festa do chopp" daquela época evoluiu para a "october fest" de hoje. Hoje em dia, talvez organizem as "october fests" com um pouco mais de "ambientação" em referência às famosas festividades dos países germânicos. Naquela época, você comprava o ingresso, que lhe dava direito a uma caneca, concebida com motivos próprios, exclusivamente para a ocasião. De caneca na mão, você se dirigia aos "postos de abastecimento" onde se servia em quantas vezes você quisesse enquanto durasse a festa, desde que não saísse do clube. O controle de venda para menores era bastante "liberal", quer dizer, nenhum. Os próprios funcionários controlavam "por alto" um limite de no mínimo 14 anos, e olha que o rigor não era muito respeitado. Uma orquestra tirolesa, "importada" diretamente de Santa Catarina, tocava as músicas ao propósito e todo mundo se divertia.

Como dizia, bebia eu mais uma caneca de chopp, sentado nas arquibancadas do ginásio do clube, que era onde se realizavam estas festas, quando vi, entrando por uma porta lateral, vinda do interior do clube, uma briga envolvendo garotos entre 13 e 14 anos. Briga de garoto: um grupo avançava sobre um pré-adolescente que batia o quanto podia e apanhava muito mais. Em princípio, briga de garoto machuca muito mais a alma do que o corpo. Talvez algumas escoriações, mas nada que deixasse marca definitiva. Mas, na alma dói. Você passa a ser assunto certo nas rodas de garotos de todas as turmas, rivais ou não. Golpes são exagerados, reações são amplificadas. Você se torna o tema central de um assunto que dura semanas, muitas vezes anos, talvez para sempre. Apanhar ou bater numa briga de garoto é entrar nos anais da história oral do lugar. Se chegamos em casa com o um olho roxo, damos um susto na nossa mãe, que, tomada pelo clima da emergência, parte logo para aplicar suas "curas": batata crua, lâmina de faca de cozinha fria, além de passar um "sabão" pela "molecagem" do filho. O pai não pode saber. Se souber, não pode saber que você apanhou de uma "turma". Fica ele com aquela cara apreensiva, como se estivesse perguntando se você é um "molenga". Tudo o que você pode fazer quando apanha de uma turma, é procurar a sua e tentar organizar uma "revanche", ou seja, pegar um da outra turma e fazer o mesmo.

Mas, acontece que os da família de Vermelhinho não tinham "turma". Suas índoles não permitiam encontrar turmas para se associar. A turma do Vermelhinho eram os próprios parentes, todos eles de idade mental comparável ao do garoto, embora as idades físicas fossem as mais diversas.

Quando saí para ir embora, na praça em frente ao clube, lá estavam o irmão (muito) mais velho do garoto que apanhou, o primão, o tiozão e o pai. Tinham tentado entrar no clube, mas naturalmente foram rechaçados. Aguardavam a saída da "turminha" que bateu no garoto para acertarem as contas. Os pais dos garotos envolvidos já tinham sido alertados e providenciaram a retirada de seus filhos por portas mais reservadas. Ficaram os da turma do Vermelhinho lá, a ameaçarem e contarem vantagens, além de enumerarem o mal que fariam aos "covardes" que ousaram bater no menino.

Juntava gente. Formou-se uma roda de curiosos e os "valentões" vociferavam contra quem "ousasse" se interpor no caminho deles para o "acerto de contas", quando um cidadão apareceu e iniciou-se um diálogo com os beligerantes. 

Cidadão: Por favor, acalmem-se. Pensem bem, esta situação é ridícula. Não vale a pena brigar por uma rixa de garoto.

Gente do Vermelhinho: Acalmar o c... Quem é você para falar isso? Tá querendo "levar o seu", também?

Cidadão:  Será melhor para todos se se esquecer o que passou, ir para casa, esfriar a cabeça e tentar pensar em outra coisa.

Gente do Vermelhinho: É melhor não se meter, otário. Tá se metendo onde não é chamado e quem entra em briga dos outros acaba se dando mal.

Cidadão (mudando subitamente o tom): Pois quem vai se dar mal são vocês. Eu sou sub-delegado de polícia e já chamei a PM para levar vocês para a delegacia por ameaçar a ordem pública. Tá aqui ó (mostrando a carteira).

Nesse momento, encostando em frente à cena, vinha uma "joaninha" da PM.  O tal sub-delegado dirigiu-se aos PMs. Todos os curiosos (eu inclusive) deparamos estupefatos com a cena, os PMs saindo da viatura e não percebemos a "turminha" do Vermelhinho saindo de fininho, pescoço enfiado na gola, "com o rabo entre as pernas", como dizia minha mãe.

Cidadão (sub-delegado): Agora estão fugindo que nem rato? Não vão, não! Vocês estão presos. - Sinalizando para os PMs que já iniciavam uma corrida no encalço dos fugitivos.

Não fiquei para ver o final. Nessa ocasiões, o melhor é sair sorrateiro, sem ser notado, antes que lhe tomem como "testemunha", ou coisa pior. Mas a cara dos "valentões", pescoço metido em suas golas (se pudessem, meteriam também suas cabeças), antes, cheios de moral e coragem, agora, com cara de camelô fugindo do rapa, se fixou na minha memória como uma das mais divertidas a que pude assistir.