domingo, 12 de setembro de 2010

A Quem trairás?

Corria o ano de 1982. Eleições para Governador no Brasil inteiro. Dois Estados atraíam particular interesse pelos seus candidatos. No Rio, tínhamos Leonel Brizola, retornando à vida pública depois de 18 anos no exílio. Em São Paulo, Lula se candidatava pela primeira vez a um cargo eletivo. Discursos novos, novos alentos, o detalhe foi que o debate de candidatos foi permitido e, importante, livre.
No Rio, tirando Brizola, os outros candidatos se mostraram mornos e com pouca coisa para apresentar. Raposa velha, Brizola pareceu dominar a campanha, e bastou mais um desses debates para consolidar sua vitória. O carioca, levado por um sentimento que o castigou por muito tempo, e ainda sofre consequências, elegeu Brizola porque concordou com ele que, eleger-se no Rio de Janeiro e não no Rio Grande do Sul, seria o caminho mais curto para chegar à presidência.
Em São Paulo havia mais expectativas. Além de Lula, disputavam Franco Montoro, tido como oposicionista histórico e, ao final, vencedor, Jânio Quadros, a velha raposa populista, este de direita, e Reinaldo de Barros, representando a mais velha política que se podia imaginar, pois herdava o legado de Adhemar de Barros, seu tio.
Conto tudo isso por causa de uma pergunta interessante de Jânio Quadros. No seu falar típico (Jânio, assim como Brizola, foram os últimos políticos que conheci que faziam do sotaque e maneirismo de linguagem, marca registrada) deu uma descrição sumária das alianças que Montoro tinha montado, mostrando que havia direita e esquerda que o apoiava. Depois dessa breve descrição, pergunta de forma peremptória: "Se eleito, a quem o senhor vai trair?"
Ano de 2002, eleição presidencial. Lula é candidato. Está difícil manter José Serra, candidato da situação. Serra não é o sujeito que decola. Seu jeito "paulistão tranquilo" não entuasiasma quem não é paulista. Se naquele tempo nos perguntávamos, hoje parece claro que Serra não será, nem agora, nem nunca, o presidente.
Cegos pelo desejo de fazer vencer o queríamos ver, não percebíamos que Lula tinha amealhado uma aliança que ia além das tendências do PT. Queríamos que Lula vencesse pelo que acreditávamos que Lula estava identiicado. Foi um processo de cegueira (ou histeria) coletiva.
Bem que precisavamos de um "Jânio Quadros" a perguntar a Lula "Quem o Sr. vai trair?" Mas, cada um, na sua ingenuidade, acreditava que Lula iria trair "os outros". Aqueles que achavam que fariam revolução à la Chile de Allende tinham certo que Lula iria pelo mesmo caminho (agora sem os vícios de Allende), aqueles que queriam a implantação da ética acreditavam que Lula seria o baluarte da ética, os que acreditavam na "política paroquial", os sindicalistas, os social-democratas decepcionados com Fernando Henrique, enfim, a miríade da sopa de letrinhas dos partidos de esquerda, PCB, PCdoB, MR-9, VAR, ALN, etc, cada um fantasiava seu delírio de poder com Lula. Pois bem, afinal, a quem Lula não traiu? Basta ver os que estão festejando sua gestão: antigos stalinistas, sindicalistas pelegos, coroneis corruptos (seria um pleonásmo?) do Nordeste, nordestinos mumificados na eterna queixa que sua desgraça vem do "sul", corruptos e lobistas em Brasília, os agentes mais bem sucessidos do mercado financeiro e os milionários mais descarados, como aquele que quer a todo o custo tomar posse de uma ex-estatal que não lhe pertence (certamente, teria aprendido com o pai, que em dado momento do militarismo, deve ter acreditado que aquela empresa, na época, pública lhe pertencia).
Assim, ao contrário de Jânio, que em 1961 traiu todo mundo, Lula preferia ser seletivo. Ao menos, essas pessoas acima citadas não podem se queixar de falta de lealdade de seu representante no poder.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Parasitismo na natureza e na sociedade

É bem sabido que o processo que governa a seleção natural é o mesmo que governa a sociedade. Tudo o que se dá na natureza pode ser transferido, se corretamente concebido, para a sociedade. Assim, "crossover", mutação, mutualismo e parasitismo são processos que podem ser identificados na sociedade se entendidos dentro de certos contextos. Na política, por exemplo, podemos identificar todos esses elementos. Alianças são facilmente entendidas como "crossover", produzindo "offsprings" que se espalham no ambiente político mais ou menos, de acordo com seu poder de adaptação. Mutações também têm seu paralelo. Mudanças de opinião, traições e reestruturação de coligações são entendidas dentro desse conceito.
 Da mesma forma, também se manifestam processos bem conhecidos e que ocorrem à larga na natureza: o mutualismo (que as alianças podem ser enquadradas também nesse conceito) e o parasitismo.
O parasitismo é um processo complexo e bastante sofisticado, tanto na natureza, quanto no poder. Pode-se dizer que os predadores são determinadas formas de parasitas, mas eu acho que o parasitismo puro é algo um pouco mais sofisticado. São entes que atuam de forma específica e são bem mais sutis que os chamados predadores. Matematicamente, dizemos que as parasitas atuam na função de adaptação da espécie alvo, gerando um processo complexo de refinamento no fenotipo de ambas as espécies, a das parasitas e a da espécie alvo. Dizem que a reprodução sexuada surgiu como eficaz meio de enganar parasitas. Com isso, deve-se reconhecer o papel positivo do parasitismo uma vez que a reprodução sexual representou um grande impulso na evolução natural.
Uma característica notável do parasitismo é que o hospedeiro, o indivíduo atacado, não se dá conta do que lhe ocorre. Assim, ele carrega a parasita consigo para sua colônia e facilita a sua disseminação entre outros membros de sua comunidade.
O poder é um ótimo nicho para o parasitismo evoluir. Não importa a forma como se galga o poder, é para ele que acorre todo candidato a cumprir o papel de parasita: oportunistas, carreiristas, arrivistas, se caracterizam por ter pouco ou nenhum compromisso com o conjunto da sociedade, buscando tão somente a forma mais eficaz e fácil de se encastelar e usufruir do poder, sem que cumpra qualquer obrigação ou contrapartida por ali estar.
E como nos processos vitais, criam nicho para melhor se perpetuar, e assim criam, no poder, as condições para não mais deixá-lo.
Enquanto elegemos aqueles que pensamos que vão nos governar, na verdade, elegemos tão somente aqueles que serão os "hospedeiros", quem será manipulado por aqueles que se especializam em se instalar e perpetuar no poder.
O sistema de poder é complexo e exige saber, conhecimento e experiência para controlá-lo. Com eleições periódicas, é comum vermos um revezamento de poder que parece acelerar e alimentar o parasitismo. Sistemas ditadoriais ou monárquicos são ambientes em que o parasitismo se instala mais lentamente, mas é, igualmente, incontornável. Nesses sistemas de poder, o parasitismo, quando se instala, se torna ainda mais estável.
Quanto mais permissivo é o sistema legal, mais vulnerável ao parasitismo é o sistema de poder. Quanto mais "ideológico" é o grupo que assume os postos de poder político, mais vulnerável ao parasitismo. Baseados em discursos, esses "ideológicos" não se dão conta que assumir discursos é a tarefa mais fácil dos carreiristas. Esses, não têm qualquer escrúpulo em discursar o que for preciso para angariar a simpatia dos altos postos e assim, mais facilmente, tirar proveito e manipular as pessoas nesses postos.
Como é característica do parasitismo, os hospedeiros não percebem que estão infectados. Para eles, estamos no melhor dos mundos.
É impossível determinar quando o parasitismo se instalou no Brasil. É possível que venha de períodos coloniais. Mas é possível percebê-lo no período militar. Enquanto estes acreditavam estar "limpando" o Brasil do perigo comunista, os agentes do parasitismo fizeram a festa.
Hoje, no período Lula, esse processo se faz sentir de forma cada vez mais intensa. Para mim, é o que faz muita coisa estranhamente parecer com o período militar.
Podemos dizer que esse parasitismo seria bom, a longo prazo, para o sistema de poder. Eu, pessoalmente, acredito que esse parasitismo mais se parece com o chamado mutualismo ou simbiose, visto na natureza. Quando instalado, esse parasitismo político passa e se reproduzir no interior do poder. É o que faz a diferença entre o parasitismo e a simbiose. Enquanto se serve do próprio sistema de poder, o processo torna-se simbiótico. Fortalece-se enquanto consolida o sistema de poder.
É. Acho que não temos chance.