sábado, 23 de março de 2013

Roteiro para uma cena urbana no Rio de Janeiro

Tempo: atual

Local: avenida nas imediações do Maracanã, carros jogados, queimados, a fumaça espalha-se por todo canto, alguns focos de fumaça preta aqui e ali. Policiais se retirando. Figurantes em roupas sujas, rotas. Ouve-se gente tossindo.

Maquiagem: pessoas com manchas cinzas e pretas, pelo corpo e rosto, descabeladas, algumas descalças. Uns estão sentados no chão, outros ajoelhados, todos estão prostrados.

Sons de sirenes e ruídos de veículos oficiais ao fundo, mas não muito alto. O clima é de desolação.

Uma figurante, de preferência feminina, no meio das pessoas, mas não escondida, sentada no chão, uma perna dobrada de maneira a manter o joelho acima e a o outra perna, também dobrada, de forma a manter o joelho próximo ao chão, seio nú, comenta, consternada:
- Acabou! A polícia invadiu, tomou tudo. Nossos amigos foram desalojados. Fomos agredidos, alguns de nós estão presos, fomos aviltados. O que faremos agora?

Um outro figurante, sexo indiferente, não ao lado, mas no mesmo bolo, propõe:
- Vamos aplaudir o pôr do sol no Arpoador?!

Coro: - Vamos!

Pano, rápido!

Detalhe: deu praia naquela tarde.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Os JC's e a Maldição dos Latinos

Dois sujeitos têm importância crucial na vida ocidental moderna e, particularmente, representam a maldição mais terrível do mundo latino, em especial, latino-americano. Ambos são conhecidos pelos cidadãos contemporâneos por nomes iniciados por "J" e "C", muito embora, originalmente, não eram chamados assim, pelo menos em forma completa.
Por volta do século I aC, cruzam os portões para o interior de Roma, hordas de soldados em formação. Seu comandante: Gaio Julius Caesar. Até aquele momento, jamais um cidadão romano havia adentrado Roma como militar.
César vinha de uma vitoriosa campanha na Gália. É preciso dizer que os romanos detestavam os gauleses. Em tempos passados gaulês era sinônimo de fustigação, invasão, saque e pilhagem. Definitivamente, os gauleses não eram simpáticos aos romanos. Conquistar a Gália, portanto, era um símbolo de vitória e dominação. Saber que os gauleses tinham sido submetidos foi motivo de grande alívio, alegria e sentimento de revanche. Só por isso César já passaria para a História como grande general.
Roma começava a viver períodos conturbados em sua república. Os cônsules se revezavam sem conseguir se firmar no poder, a corrupção imperava, intrigas enfraqueciam o senado. César aproveita-se dessa situação e o promove o primeiro golpe de estado militar da história de Roma. César se instala como ditador. Para se legitimar no poder anistia e atrai oponentes, perdoa quem se opôs ao golpe, entre eles Marcus Junius Brutus, órfão de um herói de guerra e filho de uma das amantes de César, que o toma como padrasto. Além disso massacrou tentativas de reversão, perseguiu Pompeu até este ser assassinado em traição.
Para se legitimar no poder tomou uma série de iniciativas. Determinou um salário para todos os cidadãos, premiou legionários fiéis, nomeou populares para o senado. Aos olhos de hoje, César seria um populista. Para dizer a verdade, acho que César foi o primeiro populista da história.
Suas iniciativas enfureceram a elite romana e não foi difícil planejar seu assassinato. Sua morte provocou uma comoção popular tão grande que fez os senadores romanos temerem por suas vidas.
Cerca de meio século depois, nasceu, em Belém, na Palestina um garoto, filho de uma família abastada, chamado Iuosha. Há muita polêmica sobre a origem desse bebê. Historiadores sustentam que o mais provável é que Maria, uma adolescente, teria sido estuprada por um soldado romano. Grávida seria morta por apedrejamento, pena, na época, naquelas bandas, imputada às mães solteiras. José, carpinteiro, viúvo, idoso, amigo da família, se dispôs a casar com ela para evitar sua morte. Parece que esse mito da Concepção viria depois, em amálgama com as desculpas por Iuosha ter nascido tão cedo após o casamento.
Desde garoto, Iuosha mostrou-se um prodígio. Capaz de ler as escrituras, coisa que só os abastados poderiam, já discutia com rabinos os textos sagrados. Adulto, aparentemente, Iuosha se tornou um curador, espécie de médico sem chancela. Revoltado com a ostentação dos renegados como Herodes, o rei da Galiléia, diante de uma miséria atroz, Iuosha se notabilizou por discursos e pregação pelos pobres, contra os ricos que se aproveitavam do domínio romano. Sua atuação amealhou seguidores e ameaçou os rabinos renegados. Iuosha entrou montado numa mula pelo portão leste de Jerusalém, na véspera da Páscoa judia. Esse ato tinha uma significação especial, pois pelas escrituras o Messias faria isso. Notem o simbolismo dessa entrada pelo portão de Jerusalém e de César com seu exército. O resto é o que se sabe.
Foi o grego Saulo de Tarso, depois Paulo, quem iniciou a pregação dos pensamentos de Iuosha Messiah, como era chamado, para fora da Palestina. Paulo chamava, por equívoco, Iuosha de Jesus e o cunhava de "O Cristo" termo grego para o aramaico Messiah, que quer dizer "o ungido".
Curiosamente, foram os romanos que espalharam a religião cristã para o mundo. Após a revolta de Massalah, em vez de massacrar todos os palestinos e destruir tudo o que encontravam, que era a pena que os romanos reservavam para os revoltosos, nesse caso, porque Vespasiano precisava de dinheiro para financiar a construção do Coliseu, os soldados trouxeram os judeus como prisioneiros e os venderam como escravos. Escravos, os judeus em Roma, pregavam as palavras de Jesus Cristo.
Poderíamos dizer que Jesus Cristo deu base teórica ao populismo.
Outro JC. Enquanto um, imperador, teve a imagem imbuida de tal força que os imperadores que se seguiram em Roma eram chamados de César, na região da germânia, apareceu a figura do Keiser (Kaiser), na Rússia, a figura do Csar. Ambos derivados do imperador romano. César também é considerado o maior estadista do mundo ocidental.
Desde então, nós latinos, repetimos de forma mórbida, neurótica e obsessiva o que fez Júlio César. Ditadores se revezam e baseiam seus atos na repetição do que fez Júlio César e disse Jesus Cristo. Assim como o neurótico não se livra da cena daquilo que ele interpretou como estupro, nós, os latinos, não nos livramos da cena do estupro a Roma, através da penetração das divisões do exército romano. Repetimos e repetimos. Não saímos disso. Sempre irá aparecer multidões de fanáticos seguidores, dispostos a matar ou morrer pelo "César" de plantão.
Como Sísifo, rei de Corinto, foi condenado a empurrar uma grande pedra montanha acima para, lá chegando, ver a pedra rolar de volta para baixo, e assim, ter de recomeçar, nós, os latinos, estamos condenados a assistir, eternamente o aparecimento de ditadores, caudilhos e usurpadores a repetir o populismo de Júlio César.
Não há cura, pois Freud tratou dos indivíduos neuróticos, mas nada comentou acerca do tratamento às sociedades neuróticas. Péron, Vargas, Fidel, Chaves, Brizola, e, por que não?, Lula, são diferentes versões, algumas grotescas, do grande Júlio César. É preciso notar que, após César, Roma nunca mais recuperou a democracia. Alcançou alguma prosperidade, mas a república estava caída de morta. O populismo foi praticado por, literalmente, todos os imperadores e ditadores que dominaram Roma, após Júlio César. Mesmo Nero, que parece, não era tão mau como pintado por seus detratores.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Miss Bixete, outros babados e babaquice do trote no Brasil

Eu digo sempre que nossa maior característica é a macaquear os americanos e depois renegá-los. Um exemplo é a instituição do trote nas universidades brasileiras. Isso não existe na Europa. Se existe, o trote não passa de um conjunto de tarefas, espécie de gincana, que não varia de ano a ano. Levantar dinheiro para alguma instituição de ajuda ao terceiro mundo, sem a estupidez de pintura, cortes de cabelo e outras humilhações, é uma das coisas que, eventualmente, acontece por lá.
A origem do trote vem dos Estados Unidos. E, sob todo e qualquer aspecto, é muito, muito diferente em caráter e execução.
Para começar, ninguém é submetido a qualquer tipo de constrangimento quando chega ao campus. Há uma apresentação de responsáveis, que, na maioria das vezes, são veteranos, que se encarregam de dividir acomodações e outros tipos de providências para a instalação do calouro.
Uma característica adicional se apresenta. Existem as "irmandades". Cada universidade tem, por tradição, um conjunto delas com nomes, brasões e sedes extra-campus e, via de regra, se eternizam em sua vida, se acaso você chegar a fazer parte de uma delas.
É daí que vem o chamado trote brasileiro: para ingressar numa irmandade, privilégio nunca dado a calouro da universidade, você deve, depois de apresentar uma certa performance curricular e/ou econômica, se submeter a algumas tarefas mais ou menos esdrúxulas e/ou humilhantes. Quem viu "A Rede Social", que apresenta o processo de criação do Facebook, sabe da "tarefa" do brasileiro Ricardo Savarin para entrar em uma dessas irmandades da Universidade de Harvard: cuidar de uma galinha. Há outros filmes que mostram que para entrar em certas irmandades você teria de lutar um corpo a corpo com outros pretendentes em uma "caldeirão de m...".
Cada "calouro" tem um "padrinho" veterano. Na menção daquele desistir, esse se apresenta para incentivar a continuar, pois as "vantagens" que virão compensam em muito o quê se está passando. E não estão mentindo. Dentro daquilo em que acreditam, para eles, as vantagens são compensadoras.
E mais, as irmandades nunca são mistas. Há as masculinas e as femininas. Portanto, por mais esdrúxula que seja a tafera, ela nunca envolve humilhação de caráter sexual. E se, por acaso, você não se candidatar para o ingresso de nenhuma irmandade, você nunca será obrigado a se submeter a uma dessas provas. A pena é não ter o direito de gozar de certos privilégios que as irmandades garantem a seus membros: desde os mais mundanos, como participar de festas regadas a "grouppies muito a fim" dos membros daquela irmandade, até o direito de participar de confrarias e obter seus privilégios econômicos e sociais para o resto da vida. Diz a lenda que a CIA foi criada pelos membros de uma dessas irmandades de Princeton.
E no Brasil? O que acontece? Como sempre, tendemos a copiar a forma, esquecendo o conteúdo. Não existem irmandades, não existem privilégios, não existe conceito de grupo. Um bando de babacas recalcados se acham no direito de humilhar, agredir e constranger. Calouros suficientemente deslumbrados com a nova condição que se descortina aceitam tudo isso na base do "está por conta". Alguns deles irão se manifestar na mesma babaquice nos anos seguintes. E assim "la nave va..."