quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Por uma reforma no calendário

Sugiro (na próxima reforma) um novo calendário. Ele deveria ser chamado Calendário Universal que substituiria o Calendário Gregoriano e seria baseado nas seguintes condições

1 - O ano trópico continua sendo de 365 dias, assim como o ano Juliano de 365,25 dias e o Besseliano continuariam os mesmos;
2 - Cada ano seria dividido em 13 meses de 28 dias e um dia adicional, sem mes definido. Assim o ano contaria com 13*28+1=365 dias;
3 - O último dia do ano não pertenceria a nenhum mes, seria feriado de Natal e coincidiria com o dia 25 de dezembro do ano no formato atual;
4 - Após passado o dia de Natal, inicia-se a contagem dos dias do ano a partir de 1o. de Janeiro. Assim, o Natal também seria véspera de Ano Novo;
5 - A contagem dos dias da semana não sofreria descontinuidade. Os 7 dias da semana seriam contados continuamente como é feito atualmente;
5 - Nos anos bissextos, seria acrescentado um dia, também sem mes. Após o Natal, que seria o último dia do ano anterior, viria o primeiro dia do ano bissexto. Porém não contaria como 1o. de Janeiro. Também deveria ser considerado feriado e se chamaria o Dia Olímpico, porque marcaria o ano em que ocorrem as Olimpíadas dos tempos modernos;
6 - A regra para o cômputo dos anos bissextos permaneceria exatamente a mesma que a atual;
7 - Os meses teriam os mesmos nomes atuais, a começar por Janeiro e terminando em Dezembro. O mes adicional poderia se chamar Heratia, ou Heracia, de "Hera" a equivalente grega à deusa romana Juno, quem acredita-se ter dado o nome ao mes de Janeiro. Os meses todos teriam 28 dias, sem exceção;
8 - As estações teriam as seguintes datas:
      - Equinócio vernal (ou outonal, no sul): entre 28 de março e 1o. de abril;
      - Solstício de verão (ou inverno, no sul): entre 8 e 9 de julho;
      - Equinócio outonal (ou vernal, no sul): entre 18 e 19 de outubro;
      - Solstício de inverno (ou de verão, no sul): entre 24 e 25 herácia.
9 - Feriados e festas móveis, de cunho religioso continuariam a seguir a regra do cômputo do Pesach judeu, como é feito atualmente. Esse calendário possui uma estrutura mais complexa e não permite a adoção de dia fixo ou época fixa para os feriados tanto no Calendário Gregoriano, quanto no Universal.
10 - Feriados nacionais e fixos manteriam seus valores nominais, isto é, o Dia da Independência do Brasil continuaria sendo 7 de setembro, o Dia Nacional da Independência americana continuaria 4 de julho, a queda da Bastilha continuaria sendo 14 de julho e assim por diante. O mesmo para aniversário das pessoas. As únicas transformações são aquelas necessárias pelo desaparecimento dos dias 29, 30 e 31 dos meses. Nesse caso, os festejos seriam transpostos para os primeiros dias do mes seguinte, ou seriam considerados no dia 28 do mes equivalente. A idéia é promover o mínimo possível de mudanças para não desorganizar demais esse aspecto das vidas das pessoas.
11 - Eventos que necessitam de dia fixo do ano seriam transpostos para novas datas. Para isso deve-se calcular o dia do ano, p.ex. 'D' para a data do antigo calendário e usar a fórmula:

Novo mes: INT(D/28),
Dia no novo mes: D - 28 * NovoMes ou (D % 28)

12 - Os casos particulares devem ser examinados exclusivamente.

"E revogam-se as disposições em contrário"...

domingo, 17 de maio de 2015

Pirata ou corsário?

Em sua coluna de O Globo, muito interessante, por sinal, Pedro Doria escreve que Anthony Knivet foi um corsário. Sendo inglês, isso não é possível. Certamente Doria usa o termo como sinônimo de pirata. Há uma diferença, pois corsário era aquele que portava uma "carta da Córsega", fornecido pelo rei de França, que conferia autorização de pilhar o que bem entendesse, salvo o que era de propriedade de franceses e aliados, em nome do Rei, desde que lhe trouxesse sua porção. Ingleses faziam o mesmo para a coroa inglesa, mas não possuiam a tal "carta". Eram piratas.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O Deliquente e Eu, ou, Lidando com a Realidade do Jovem Brasileiro (ou a maioria deles)

Vou contar um historinha (não sou adepto do anglicismo estória) que me aconteceu um par de anos atrás. Certo dia, bateu à porta de meu escritório, onde trabalho, um garoto, negro, com algum sobrepeso, de seus 14 a 15 anos de idade. Explicou-me que estava ali com a autorização do diretor do meu instituto e que era um interno da FEBEM. Vendia ímãs de colocar em geladeira, de sua própria fabricação, segundo ele, o que acreditei, pois apresentavam um aspecto artesanal, confeccionados com esmero, porém de gosto duvidoso. Contou-me que o juiz Sirio Darlan tinha estabelecido que cada imã daquele vendido representava um dia a menos no internato onde se encontrava “recolhido” (ah o politicamente correto! não se pode mais falar preso ou detido em se tratando de menores). Comprei uns dois ou três (ofereça aos meus colegas, para não cair tudo nas minhas costas) o que o deixou bastante contente. No ato da compra, notei que ele evitava fazer conta para o troco. Pediu para eu dizer qual era o troco que ele tinha que devolver.
Não perguntei o motivo de seu “recolhimento”. Acho que isso é absolutamente irrelevante. O que sei é que ele vivia uma tragédia, tragédia que ronda mais de 50% da população jovem brasileira. Nele a tragédia se materializou. Escolhas erradas? Não importa. Outros, com mais sorte, conseguem se livrar.
Ano seguinte, mesma época, mesma cena, o que se repetiu no ano que se seguiu. Minha sala ficou enturrada de ímãs de geladeira, e não me atrevia a levar para casa. Até que ele declarou que “era o último lote”. Se o vendesse ele estava livre. Cheguei a pensar que isso era uma estratégia de venda. Não vemos isso tantas vezes em nosso dia a dia?
Pois ele não voltou no ano seguinte e eu achei que ele estava sendo sincero. O garoto ganhou a liberdade. Não me senti nem menos nem mais “redimido” por isso. Não sou de compaixão, e por isso não sou de carregar culpas cristãs. Ajudo se posso. Não dou esmolas. Considero isso um resquício daquela arcaica manifestação de solidariedade social que nos fez humanos civilizados. A religião se apropriou disso, com o tempo. Como não tenho religião, deixo esse sentimento livre, para se manifestar nas horas que acho certas.
Pois bem. Ele voltou, no outro ano. E procurou por mim. Seu registro de entrada na instituição constava vir falar especialmente comigo.
Contou-me que foi procurado pelo traficante do bairro que lhe ofereceu a gerência de um ponto de venda. Foi aí que soube que a razão de seu “recolhimento” tinha sido tráfico de drogas. Então ele me disse que sabia que se aceitasse, seu destino seria voltar ao “recolhimento”, ou pior, a morte. Não sabia o que fazer. Disse-me que sua única saída seria voltar a sua terra, Ilhéus, BA. Lá, sob o guarda-chuva de sua família, poderia encontrar uma coisa decente (palavra dele) para fazer. Acrescentou que dali a uma hora e meia, mais ou menos, saía da rodoviária um ônibus para Ilhéus e que a passagem custava R$ 150,00. Essa era a razão de ele me procurar. Eu era a única pessoa que ele pensou para lhe dar essa ajuda. Abri a carteira e, lembro-me bem, tinha R$ 147,00. Peguei tudo, e lhe passei o dinheiro. Você pode se virar com R$ 3,00? Posso, disse ele.
E partiu. Da janela do corredor vi ele se dirigir ao portão de saída. Empreenderia uma viagem de uns dois ou três dias e não tinha dinheiro para comer.
Essa situação me incomodou. Acho que incomoda qualquer um. Veio a dúvida: estaria ele falando a verdade? Não seria mais um “papo” para pegar seus caraminguás e usar, sabe-se lá, para consumir droga, ou “capitalizar” para uma compra como distribuidor? Se ele voltar, pensei, não terá mais nada. Acabou. Minha fonte secou, vai procurar outro otário. Pois foi sentindo-me 50% otário que o vi se afastar. O critério era sua volta. Com aquele papo, ele não poderia mais voltar. Se voltasse, sua história seria um embuste.
Pois ele voltou. Era fevereiro, cerca de uns 8 meses depois do último encontro. Disse que vivia em Ilhéus com sua mãe, que era uma uma “baiana” que vendia acarajés e vatapás em uma banca. Veio para o carnaval, com a família, pois “no Rio se ganha bem mais dinheiro que na Bahia”. Disse que isso era idéia dele. Me deu um cartão com o “endereço”, um estande na Cidade do Samba, onde ocorre os pré-carnavais no Rio de Janeiro. Acrescentou que eu devia aparecer lá, de noite, pois a irmã dele queria muito me conhecer. Insistiu várias vezes para que eu fosse conhecer sua irmã que queria me “agradecer” pela ajuda que tinha dado a seu irmão querido. Coloco o “agradecer” entre aspas pois ele falava com especial entonação.
Pressentindo o “perigo”, não fui. Guardei desse encontro um resquício de ressabio. Ele voltou, afinal, e voltar era o sinal que estava sendo insincero. No entanto, pensei, suas histórias são tão ricas. Se mentia, mentia artisticamente. O rapaz tinha verve de escritor, um contador de histórias. Seria, se tivesse alguma instrução. Ou tudo isso era verdade? Será? Depois disso ele nunca mais voltou. Teria ficado ofendido por eu ter esnobado a “oferta” de sua irmã?
Prefiro a última opção. Não me importa o que ele sente por mim. Será mais um aspecto das diferenças entre nossos mundos, que são tão díspares. Prefiro sentir que esse foi mais um desses episódios que faz minha vida valer a pena. Pois meu maior temor, como todo mundo, é passar por esse planeta incólume, sem fazer diferença nenhuma. Para esse rapaz, esse não foi o caso.