quarta-feira, 18 de junho de 2014

As Mensagens de Joaquim Barbosa

"This is language, for God sake!" Essa é a exclamação que McNamara, secretário de Defesa do governo Kennedy, fez ao comandante das operações da "quarentena" do bloqueio naval que os americanos impuseram a Cuba, durante a crise dos mísseis em 1962, quando este gritou 'fogo' contra os navios russos que iniciaram um furo ao bloqueio. McNamara não sabia que os tiros eram de festim, um primerio alerta. De qualquer forma, o recado estava dado.
Não sei se McNamara entendia de semiótica, já que um dos principais formuladores desta foi um americano, Charles Peirce. Mas ele completou: "Isto é o sr. Kennedy tentando se comunicar com o sr. Khrushchev!", diante de um general perplexo. O que ele queria dizer é que, diante das forças que circundavam ambos - e que, no que dependesse delas a guerra já estaria em curso - era impossível um meio no qual ambos os presidentes se conversassem diretamente (o 'telefone vermelho' ainda não existia, por sinal, foi criado em consequência dessa crise). Restava um apelo à semiótica: uso de símbolos que permitissem a comunicação direta de dois homens que, tanto o planeta dependia deles para continuar existindo, quanto estavam eles de mãos atadas.
No final, valeu a diplomacia e estamos aqui, respirando e escrevendo blogs.
Lembro disso quando vejo Merval Pereira reclamando que o ministro Joaquim Barbosa continua imprevisível. "Vivemos tempos obscuros" disse um monge a William de Barskeville, o "Sherlock Homes" da Idade Média, descrito por Umberto Eco em O Nome da Rosa. Esse aposto não é por acaso. A história se passa no século XIII, o ápice do domínio cristão, na época católica, sobre a Europa. E essa condição guarda muita semelhança com o que estamos vivendo agora.
Como disse Adélia Prado: "virou uma geléia, e não é agradável". Naquele tempo, tinha-se convicção que o cristianismo havia se imposto e que vivia-se o melhor dos mundos, um céu na terra, onde os que não se beneficiavam dele eram pecadores, ímpios sem Deus no coração. Tinha-se certo que as benesses e o luxo eram distribuidos aos bons cristãos e a justiça divina caía implacável sobre as cabeças dos insinceros, pagãos por tradição.
É como agora, só que o tema não é mais o cristianismo: é o socialismo, ou a geléia populista de Lula e os petistas. Agora, como naquele tempo, o sistema de poder implantado no Brasil, como na Europa, naquele tempo, acredita estarmos vivendo no melhor dos mundos. Os que reclamam são os "não inclusivos", os segregacionistas, os racistas, uma elite atrasada que não percebe a "beleza" do mundo que os petistas acham ter sido forjado na cabeça iluminada do novo messias: o operário Lula!
O que eles, como os antigos decanos do catolicismo do século XIII, não percebem é que, entre os "ímpios" daquele tempo, e a "zelite" dos dias de hoje, tem gente que está vendo que não é nada disso! Tem gente que vê que agora, como antes, o poder se consolidou ainda mais na mão do que há de pior na raça humana: aproveitadores, carreiristas, oportunistas, assassinos disfarçados de justiceiros, perversos disfarçados de protetores, tiranos disfarçados de democratas, mafiosos disfarçados de policiais. É difícil tentar entender por que tantos amigos meus são tão fanaticamente defensores disso tudo. Mas isso é tema de uma análise que ainda estou articulando e que espero colocar aqui em futuro próximo.
Joaquim Barbosa (o bat-ministro), como já disse aqui, lembra mais um galo cacarejando num covil de raposas. Nunca escondi (muito antes dos petistas notarem sua existência) que para mim o STF está mais para antro do que para tribunal: uma convenção de políticos mais parecida com a corja que popula o poder descrita acima. Joaquim, o bat-ministro, colocado ali por sua cor pelo operário-messias (mais um legado petista em nossa sociedade: a política baseada no racismo, em nome da justiça racial), tentou impor uma ideologia jurídica que ele forjou em sua carreira de magistrado (dos honestos, é verdade, coisa que rareia cada vez mais em nosso sistema judicial), permeado pela ingenuidade típica dos oriundos de sua gente: classe média ascendida pelo próprio esforço, ainda por cima com crivo do preconceito. Percebeu tarde o embuste. Não entendeu a "linguagem". Faltou-lhe um pouco de semiótica, pelo menos de sua práxis.
Mas agora ele entendeu. Como sempre, aprendeu "apanhando" de um sistema implacável, feito para "não amadores", como disse um cronista. Agora, serve-se dela. Joaquim está de mãos atadas, como estava a dupla Kennedy-Khrushchev. E assim começa a emitir sinais, gestos que devem ser interpretados. Ao retirar-se aos poucos da cena do poder, nosso bat-ministro tenta nos comunicar alguma coisa. Aos repórteres e jornalistas de ir atrás. Afinal, para que eles servem?
A imprensa brasileira reage ao fato literal. Não entende nada de semiótica, apesar de viver disso. É a burrice geral, misturado à geléia em que o Brasil se transformou.
"This is language, stupid!"