terça-feira, 9 de setembro de 2014

Aborto: Proibir vai extinguir?

A morte da moça, Jandira, na Barra da Tijuca pode ser o sintoma de algo que acontece no Brasil em quase todos os temas envolvendo legislação. Jandira desapareceu depois de "embarcar" num carro em direção a uma suposta clínica de aborto. Ao mesmo tempo, a polícia procura identificar de quem é o corpo carbonizado encontrado no dia seguinte. A hipótese mais provável é que trata-se de Jandira. Por outro lado, uma técnica de enfermagem está envolvida como suspeita de ser a dona da clínica para onde Jandira foi tentar o aborto. A técnica sumiu.
As circunstâncias da carbonização do corpo indicam que, se a hipótese se confirmar, não se trata de um acidente. Não há indícios de explosão nem incêndio associado. O corpo carbonizado permite precariamente sua identificação, parece ter sido submetido a uma "cremação". A idéia teria sido "apagar" evidências, inclusive sua identidade.
Se se confirmar que o corpo carbonizado é de Jandira, um crime terrível se desenha. Provavelmente a "operação" deu errado, Jandira pode ter morrido durante o procedimento. O cadaver é submetido a uma "cremação", atirado numa desova qualquer e quem está envolvido desaparece. Pronto: onde se passaria o "fim de uma vida", isto é, a do feto, perdeu-se duas: a da mãe, e a do filho.
Não quero banalizar a tragédia terrível de Jandira e sua família. Ela enviou um SMS para o ex-marido: "Amor, mandaram desligar o telefone, tô em pânico". O texto revela um relacionamento no mínimo amigável com o "ex". Tudo indica que Jandira levava uma vida tranquila. Relacionava-se bem com seus pais, lidava bem com um antigo casamento. Um descuido (?), talvez, a fez grávida. Quarto mes de gravidez: aparentemente Jandira titubeou. Sexo ocasional? O parceiro não apareceu. De toda evidência Jandira acreditou ser possível ter esse filho. Será que o "ex" aceitaria adotar? Por enquanto não sabemos quase nada. Sabemos, apenas, que Jandira resolveu "tirar". Alguma coisa não deu certo.
Aborto no quarto mes de gravidez é inadimissível, mesmo para os que são pela sua descriminalização. Nesse ponto, medicamente, o feto já poderia ter "vida independente". Poderia ser colocado numa incubadora e ali se desenvolver. Mas, para mim, a decisão de Jandira não foi criminosa. Para mim, Jandira é vítima. Vítima de uma mentalidade comum no Brasil: a de que a sociedade dará certo se as leis forem "perfeitas". Forjadas numa mentalidade idealista, as leis são escritas por legisladores que as querem "ideais", como se estivéssemos, para parafrasear um conhecido economista, na Bélgica. E o pior: na Bélgica o aborto é livremente permitido. Só que a sociedade brasileira, pelo menos a maioria dos brasileiros, vive num lugar mais parecido com a Índia. O resultado é que, para o brasileiro médio, a legislação não é um sistema que serve de baliza para seus atos: é um emaranhado de obstáculos ao seu viver. Quando as regras deixam de ser referência para a vida comunitária para se transformar em estorvo na vida de cada um, então aparece tragédias como as de Jandira.
"A lei é boa", dizem os juristas. Parece que o povo é que é ruim.
Leis, como a "Lei Seca", em que se transgride os direitos individuais garantidos em Constituição, são mostras do desespero do legisladores. São, como eu chamo, leis "trans-ideais". Eles não sabem mais o que fazem (se é que estão interessados) para estancar a sangria que é o genocídio brasileiro: um dos maiores índices de morte por trânsito, um dos maiores índices de assassinato e morte violenta, um dos maiores índices de aborto, um dos maiores índices de abandono de bebê, um dos maiores... enfim, a maior tragédia.
E nada parece indicar que isso vai mudar.