sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Sou mais Rock

Rock que é rock deve ser modal, do modo do blues ou soul;
rock que é rock deve seguir o ritmo do R&B, do boogie-woogie ou do swing;
rock que é rock deve ser sincopado com o cantor(a) dialogando com a guitarra ou sax que se insere com riffs descolados e dissonantes;
rock que é rock deve ter uma guitarra ou piano de base com arpejos e arcodes abusando das sextas diminuidas, sétimas aumentadas, nonas, décimas primeiras e décimas terceiras a rodo;
rock que é rock deve falar de sexo, alcool, drogas ou temas da contra-cultura;
rock que é rock deve ter no mínimo um improviso de virada cheio de riffs e puxadas de blues e swing, mostrando virtuose do guitarrista, ou pianista ou saxofonista; pode ser até violino;

Quer barulho, vai ouvir britadeira;
Quer modo jônico, vai ouvir Beethoven;
Quer modo frígio, vai ouvir música turca;
Quer música tonal, vai ouvir bossa nova;
Quer falar de amor, canta uma ária ou um lied de Schumman;
Quer fazer uma evocação, canta um hino;
Quer alegria, vai ouvir música pop;
Quer falar de Deus, canta uma gospel.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

A insustentável in-leveza do ser

Não consigo deixar de comparar as diversas fases de nossa vida tupiniquim com um livro que marcou meus anos 30, lá pela década de 1980 e imediações, cujo autor descreveu as vicissitudes de ser tcheco, isto é, do lado de lá da cortina, em uma Europa dividida em dois até lá pelos anos 90. Milan Kundera escrevera seu "A insustentável leveza do ser" como um auto de seu próprio destino e ia além. Tomas e Tereza, os protagonistas principais têm sua saga descrita até suas mortes, finalmente em relativa felicidade.
O que têm a ver o título? Na saga, Tereza, que segue Tomas em seu refúgio na Suíça, onde ele encontra razoável sucesso profissional e sexual, retorna à ocupada Tcheco-eslováquia pelos soviéticos na sequência da famosa "Primavera de Praga", cuja referência encontra-se nas "Primaveras Árabes" das - não mais tão - atuais revoltas nos países do oriente médio (e que, como em Praga, deu no que deu). Para justificar seu retorno à opressão ela sustenta: "Aqui (no lado ocidental) eu me sinto insustentavelmente leve". Tomas, surprendentemente, a segue. Terá tido ele a mesma sensação? O livro não esclarece.
Quando li, para mim que ainda não tinha entrado em contato com a (real) cultura européia, aquilo me pareceu uma verdade quase exótica. Minha identificação com Tereza era que, como ela, eu vivia sob a opressão. Caetano Veloso cantou quase o mesmo drama em London, London. Enquanto ele deparava-se com a leveza que tanto almejávamos aqui no lado de baixo de equador, ao mesmo tempo queixava-se: "Yes, yes, no one here to say hello". Não era a leveza que o incomodava, senão a solidão.
Mas, por que estou escrevendo sobre isso? É porque o romance virou filme americano. Bem produzido, com interpretações soberbas. Não agradou muito a esquerda. Esta identificava-se com os ocupantes soviéticos. Nessa transcrição senti a perda de certos aspectos originais do livro, o que é normal. Muda-se a linguagem, mudam-se as ênfases. No filme, as puladas de muro de Tomas é que afligem Tereza. Quase que o sumo da trama se perdeu. Mas o retorno à Tcheco-eslováquia traz uma carga pesada demais para uma simples frustração amorosa.
E daí? Daí que há uma cena no filme, antes da ocupação, antes de Tomas e Tereza partirem de Praga. Em uma boate, jovens antenados da época, 1968, com seus jeans e cabelos compridos dividem espaço com oficiais soviéticos uniformisados. Estes ordenam que os músicos toquem uma velha canção russa o que nitidamente contrasta com o "vigor do rock-and-roll". Em dado momento os músicos, jovens como a maioria dos frequentadores, se revoltam e soltam suas guitarras e vozes numa canção moderna. Vê-se ali um evidente contraste. É o regime soviético imposto pela força de uma divisão geográfica arbitrária na sequência de uma guerra atroz representado pelos velhos e fardados oficiais em oposição a uma juventude pujante sedenta de inovação e agitação. Ali estava a Primavera de Praga sintetizada. Nada como uma casa noturna para expor os contrastes de geração e ideologia.
Não posso deixar de comparar essa cena com o que vi ontem, domingo, na manifestação da esquerda outrora festiva, depois regozijante, hoje frustrada. Vê-se artistas como Caetano Veloso e Milton Nascimento apresentando-se para sustentar a tentativa de melação de tudo o que se faz hoje pela recuperação do país após a catástrofe deixada pelo furacão denominado Dilma (isto é, fazem tudo o que acusavam de fazerem os tucanos depois da eleição de 2014 - lembram-se do 'querem um 3o. turno'). Ignoram que o sentimento geral é de tentar limpar a sujeira que impera no Brasil desde sempre, mas que se intensificou durante o governo PT. O objetivo é "retornar ao poder". Para quê? Para que os "velhos companheiros" já sem fardas, possam voltar a ditar qual a música tocar: que seja de Caetano, Milton, Chico...
Eu fico imaginando como um jovem de seus 20 anos, do subúrbio ou das "comunidades", sem emprego, com os projetos de faculdade enterrados, com filho e mulher (também desempregada) para sustentar vê as caras desses artistas consagrados em Copacabana se opondo a tudo o que ameaça suas "boquinhas". Não me furto em pensar que para ele, essas caras envelhecidas, a cantar canções ultrapassadas, com gosto de fruta podre, não passam de "oficiais soviéticos" a entoar velhas canções russas que ninguém mais entende ou aprecia.
Será que precisaremos de uma Primavera?
Para mim, brasileiro em particular e latino-americano no geral, nunca houve leveza, sustentável ou não, nem aqui, nem na Europa. Esta, quando lá residi, me pareceu opressiva e hostil. Afinal, eu não sou Tcheco.

Catarses ontem e hoje

A História da humanidade parece mostrar que precisamos de catarses. O futebol e os esportes em geral fazem essa função nos tempos modernos. Na Grécia antiga, era o teatro. Houve tempo que se valeram dessa necessidade para engendrar guerras: a preparação, a espectativa, as mobilizações eram cercadas dessa ânsia por movimentos catarticos. Bem sabemos no que deu. Os jogos olímpicos, tanto hoje em dia, como antigamente possuem essa natureza catártica que tanto necessitamos. Antes dos jogos olímpicos da antiguidade, os gregos se davam a essa infame prática de guerrear entre si. Hoje em dia, seria como uma entrada na agenda "Video Show" dos espartanos: qual será o programa desse verão? R. Guerrear contra Corinto. Com o tempo, o que era uma confraternização de mulheres para festejar a safra do ano foi ganhando força e passou a ser "o programa" do verão com seus heróis, não mais de guerra, mas corredores, lançadores de dardo e disco, levantadores de peso, lutadores de arena, sendo festejados pelos habitantes de suas cidades-estado.
Hoje em dia, o esporte, além dos mitos do cinema e da arte pop, amainam a catarse da guerra e reproduz o que aconteceu na Grécia clássica. Nossos heróis são jogadores de futebol, basquete, volei e cinema, música, etc. Regiões onde há confrontação, com raras excessões, tem pouca, ou nenhuma participação nessas atividades.
No Brasil, e alguns países da América Latina, há uma grande concentração catártica no futebol, além de cinema e novelas. Mas a situação é tão calamitosa que parece que essas atividades não dão conta. De tempos em tempos aparece uma "primavera", como a de junho de 2013.