sábado, 30 de julho de 2011

Faxina no DNIT

Uma das coisas que me fazem espécie é essa de falar em "faxina" no Ministério dos Transportes e outros. Então, não tem gente prá passar a vassoura, não? Se é para combater a corrupção, não tem nada a ver com "faxina". Tiram-se os corruptos (a sujeira) e colocam-se... o quê? "Virtuosos"? Esse pessoal, lá no poder, precisa entender que as pessoas não são divididas entre "sujas" e "limpas", a não ser que se queira desenterrar a expressão: "Sou [...] mas sou 'limpinho'", onde o "[...]" entenda-se qualquer adjetivo considerado degradante por natureza. Não vou evocar nenhum deles pois posso ser taxado de racista, sexista, homófobo ou mais o quê se taxe alguém de algo absolutamente asqueroso. Mas, para a "atual conjuntura", ou aquilo que endoideceu o pobre afro-descendente, pode-se muito bem ouvir, em Brasília, a expressão: "Sou corrupto, mas sou limpinho".
Corrupção, gente, não tem nada a ver com sujeira. Trata-se de uma estratégia de conduta, simplesmente visando ganhar dinheiro. Sua existência está condicionada à tolerância do ambiente. Basta fazer as contas da razão custo / benefício, onde os riscos dessas tais operações são calculados, "precificados" e colocados à comparação com os ganhos prováveis.  Um débil é capaz de perceber que os riscos de atos corruptos em Brasilia são muito, muito baratos! Isso não torna os valores trocados nos atos de corrupção menores, mas sim, torna a frequência desses atos cada vez maior, pois mais e mais gente se dá conta que o custo / benefício é totalmente favorável. Pela lei da oferta e procura, quando a oferta das benesses aumenta, seu valor diminui.
Um exemplo desse processo é a "molhada de mão" no guarda de trânsito. Antigamente, quando o risco desse procedimento era mal avaliado, o motorista tinha que pagar um valor "salgado". Nessa época, tais atos eram mais raros e havia muita desconfiança de parte a parte ao se "propor" o negócio. "Precificando", nesse tempo falava-se em "caixa de cerveja". Hoje, tal procedimento se alastrou, não é mais possível deixar de "passar um recadinho" ao guarda para garantir mesmo "que ele faça o serviço direito". Hoje, é comum a cobrança de "um refrigerante". O "serviço" se disseminou, e a pressão é para baixar o preço.
Combater a corrupção não é um ato de limpeza, gente. Pessoas não são virtuosas ou corruptas por natureza genética, cultural ou educacional. Pessoas praticam corrupção porque isso é um negócio tolerado. Como qualquer outro negócio legal. Combater a corrupção é mexer no ambiente, e isso se faz com leis, e transparência. Aí, já são "outros quinhentos". Não dá prá sintetizar aqui.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

As explosões de bueiro no Rio de Janeiro

Dessa vez, foram quatro explosões de bueiro no mesmo dia. Revendo os clichês, achamos esse, que cai bem para a ocasião: "Há mais coisa no ar do que os urubus e aviões de carreira", do sempre inconveniente Barão de Itararé. O governo, através da ANEEL, promete multar (quantos bueiros têm que explodir para o governo pensar em multar?). Há alguns aspectos a serem analisados nesse episódio: sabotagem, negligência, fraude, incompetência, enfim, podemos arrolar vários, todos com quase igualmente possíveis. O interessante, aí, à parte o trágico, envolvendo vítimas, algumas em estado grave, é a possibilidade de observarmos esses eventos à luz de alguns conceitos modernos de análise social e econômica. Por analogia, associamos:

  • Sabotagem: teoria dos jogos e teoria da evolução;
  • negligência: capitalismo selvagem e teoria conspiratória;
  • fraude: teoria dos jogos e sociologia (e, talvez, uma fábula dos bichos, os "gatos");
  • incompetência: sem teoria nenhuma, pois, afinal, incompetência dispensa teoria.
Comecemos a analisar o último, isto é, a incompetência. Primeiramente, a incompetência da agência pertinente: a ANEEL. A questão da distribuição elétrica é intrincada e demanda gente muito competente. Até que parece que as coisas funcionam. Se não estamos com apagão diário (antes da privatização da Light, minha rua ficava sem luz, diariamente, das 13:30H às 18:30H), se apagões de grandes proporções só acontecem em situações excepcionais, então é porque a coisa está sendo bem levada (tirando as explicações esdrúxulas do governo PT, que parece insistir que somos tão idiotas quantos seus militantes). Isso não é assunto de amadores e manter uma coisa dessa complexidade funcionando significa que as pessoas no controle são minimamente competentes.
A segunda questão, isto é, a penúltima na lista, é alguma coisa mais palpável, fraude à luz da teoria dos jogos e sociologia. O problema é que os próprios funcionários da Light oferecem, ou ofereciam quando tive oportunidade de lidar com isso, um "acerto" no relógio, de forma que pagaríamos sempre R$ 50,00, mesmo que consumíssemos R$ 1000,00. O nome disso é o popular "gato", um bicho ágil o suficiente para "agir" sem nos darmos conta (no caso, sem a direção da Light se dar conta). Na época não aceitamos a oferta, pois achamos que fraudes têm perna curta, e, mais cedo, ou mais tarde, a companhia poderia vir fazer auditoria e seríamos autuados, fazendo o barato ficar caro. Mas, sabemos que essa mentalidade não é a dominante. A maioria das pessoas pensam que, se todos fizerem não há perigo de serem autuados, pois uma ação criminosa praticada por todo mundo deixa de ser crime para ser um "gatilho cultural". Se a prática do gato se generalizou, então as subestações que estão projetadas para suportar uma carga "x" são submetidas cargas da ordem de "10x". Como esses dispositivos são refrigerados a um óleo que se torna combustível a partir de uma certa temperatura, com sobrecarga, eles aquecem, e tornam-se bombas em potencial. Visto que essas explosões são observadas em regiões de altíssima densidade populacional, imagina-se que a quantidade de "gatos" é grande, logo, a probabilidade de explosão também o é, o que se torna compatível com a observação. Essa análise se enquadra dentro da teoria dos jogos, porque é resultado de duas estratégias: a colaboração entre representantes de interesses opostos (dilema dos prisioneiros) e a estratégia racional, na prática de diversas rodadas do jogo do dilema dos prisioneiros.  Quando o funcionário da Light oferece um "serviço especial" ele está propondo para você uma estratégia de colaboração. O funcionário deveria representar a empresa, que está no lado contrário ao seu na mesa de negociação. Se ele trabalhasse "direito", ele representaria os interesses da empresa, enquanto que você negocia os seus. Temos dois lados em "confronto". A empresa procura tirar o melhor que puder da negociação, você procura defender o "seu". Quando o funcionário oferece o "gato", ele está sugerindo um negócio adicional em que você tira vantagem da empresa e "paga" o funcionário por isso. É uma estratégia de colaboração, e, na teoria dos jogos, é bem conhecido que esse "ganho" será às expensas da banca, no caso a Light. O segundo aspecto é a chamada estratégia racional. Você, ao aceitar o "gato", coloca em cheque os interesses dos outros usuários também. Ao aceitar o "gato" você põe em risco a integridade do serviço oferecido, e isso será feito em prejuízo dos seus vizinhos. Nesse caso, você está sendo egoísta na negociação, você tira vantagem em detrimento de seus vizinhos e co-cidadãos e de você mesmo.
Passando ao próximo, a antepenúltima questão: a negligência, é a preferida da maioria da população, certamente influenciada pelos asseclas do fim-eminente-do-capitalismo-advento-de-uma-nova-era-o-socialismo. Esse tipo de raciocínio é bastante simples e, à primeira vista, é o parece fazer mais sentido. Vê-se a empresa como uma pura e simples máquina de ganhar dinheiro que está pouco se lixando para o produto que vende e a segurança dos cidadãos. Esse é o argumento do político que vê uma excelente oportunidade de aparecer como justiceiro (já que a maior parte do tempo ele aparece na fotografia do lado contrário da justiça) e assim passa a fazer sérias e graves acusações à diretoria e à empresa. Eu, por mim, penso assim: eu tenho recordações, por sinal, bastante negativas, do tempo da Light estatal. Era um tempo em que a gente tinha que negociar com o pessoal da manutenção. Esses eram verdadeiros agentes comerciais da empresa (sem que ela visse um só tostão da parte deles). Se não tinha negócio com eles, não tinha negócio nenhum com a Light. Como já havia mencionado, todos os dias faltava luz em nossa rua, nos precisos horários de 13:30H às 16:30H. Não sou adepto de teorias conspiratórias, mas dada a regularidade e pontualidade dos "incidentes", era de desconfiar que a falta para mim representava um benefício indevido para outrem. Quem sabe? A privatização da Light no Rio de Janeiro foi um dos raros casos em que o comprador externo levou gato (sempre ele!) por lebre. Quando a EDF, Electricité de France, comprou a Light, durante o processo de privatização, achou que tinha comprado um gigante por uma bagatela. Estimou custos e investimentos tendo por modelo o estado de um empresa européia. Não imaginou que estava adquirindo um peso morto, uma organização sem direção, sem estratégia, sem hierarquia, enfim. Era um bando de gente entregue a sua própria sorte, com equipamentos sucateados, sem investimento sequer planejado. A EDF comprou um mico. O prejuízo foi tanto que a direção da EDF foi demitida pelo governo francês. Em seguida, este deu ordem para se desfazer de todos os ativos no exterior. A senha foi dada. Os termos eram genéricos mas o recado era "vender a Light". Assim foi feito, parte foi vendida à CEMIG, outra parte foi diluída em vários sócios. Mas, para vender, a EDF fez um trabalho de recuperação hercúleo. Gastou muito dinheiro reconstituindo linhas, subestações, "switches", de maneira a fazer com que a energia que chega a cada unidade tivesse um mínimo de qualidade. Dito e feito. Não vivemos o melhor dos mundos mas a qualidade do produto que chega às casas no Rio de Janeiro, hoje, não se compara àquilo que era entregado no passado. E tudo isso a despeito dos gatos, do roubo, da inadimplência (você sabia que a empresa Supervia, que explora os trens urbanos - aliás, elétricos - do Rio de Janeiro jamais pagou a conta de luz?).
Então eu pergunto: por que a Light, que tanto prejuízo teve em refazer e consertar tudo, se descuidou dos bueiros das subestações? Como recebemos eletricidade com voltagem dentro dos limites dos padrões internacionais vem de bueiros tão mal equipados e mantidos? Será negligência? Se a Light gastou tanto em investimentos para dar um mínimo de qualidade ao produto que vende, por que ela se descuidou dos bueiros? Pergunto-me isso e vejo que isso não faz sentido. Se a Light está interessada somente no lucro por que ela não deixou tudo como estava e se preocupou apenas em elevar os preços? Isso faz sentido para você?
Vamos, finalmente, à questão da sabotagem, a primeira a ser listada nas razões acima. A própria Light contratou uma empresa para investigar essa possibilidade. Isso custa dinheiro, logo, ela não o faria se não visse alguma procedência nisso. A Light levanta a possibilidade de funcionários demitidos estariam por trás disso. De fato, a diretoria nomeada pela EDF, quando assumiu, promoveu uma política de demissão em massa. Acreditava (a diretoria) que o pessoal especializado criaria empresas de prestação de serviço que seria contratada pela própria Light. Constatando que os custos sociais de manter um empregado eram grandes demais, para eles (da diretoria) ficava implícito que a transformação de empregado em terceirizado seria mais vantajoso para a empresa e para o próprio empregado (olha aí a estratégia da colaboração). Só que esqueceram de avisar os empregados. Estes, encastelados nos seus respectivos cargos, encaravam a demissão como um processo de perda de privilégios. Aí, observamos, mais uma vez, um efeito da teoria dos jogos. Melhor dizendo, da emergência de organismos complexos dentro da complexidade do meio social. Como na natureza, em que os ocupantes dos nichos defendem seu território de forma virulenta e violenta, a perda dos privilégios, que pode ser considerada perda de nicho, faz com que seus habitantes (os empregados encastelados) defendam de forma vil o que consideram direito seu. Mesmo que isso represente "perdas aceitaveis", pessoas inocentes feridas. O cenário de sabotagem me parece compatível com o que está ocorrendo. Em vez de "partirem para a luta", os demitidos agem de forma a desacreditar a empresa, mesmo que isso provoque graves danos às pessoas que transitam eventualmente nos locais das explosões.  E o que é mais incrível, parece que está funcionando. Não me admira nada, nada, que apareça alguém, daqui a pouco, sugerindo que no tempo da Light estatal esse tipo de coisa não acontecia.