"Polícia que mata mais, morre mais", diz o comentarista na televisão. Esse é um fato. Iria mais longe: polícia que bate mais, a população sofre mais na mão dos bandidos e da própria polícia. Parece óbvio, mas não dá para negar que a brutalidade com que os bandidos tratam suas vítimas tem particularidades regionais. É claro que todos são assustadores e agressivos, faz parte da tática de manter a vítima em estado de choque, para não assumir o controle. Mas, dito nas conversas das reuniões, refeições, quando se conta casos de assaltos e agressões nos diferentes cantos do Brasil, vemos diferentes formas de brutalidade praticada, em função da região. No Nordeste é comum relatos de estupros seguindo assaltos. No Sudeste vê-se desprezo pela vida da vítima. No Sul surra-se quem não tem bens suficientes para satisfazer o agressor. Mas, em certos lugares, ouve-se relatos de uma certa "negociação" entre as partes. Deixa-se dinheiro para o ônibus, o chip do celular. Tenho tendência a pensar que, de certa forma, o modo operandis dos bandidos reflete em algum grau a forma com que a população em comunidades carentes são tratadas pela polícia. É uma forma de "instrução", de "treinamento". Não podemos nos esquecer que a polícia é a instância mais presente do Estado na população. Em nosso caso, aqui, essa polícia chega a ser a única instância do Estado presente. E não se abre exceção às milicias, pois as pessoas identificam o cidadão representante e não sua função no momento, coisa que elas não fazem a menor idéia. Se o cidadão é identificado como PM, como policial, como PF, não importa se ele está em serviço ou praticando a milícia. Para a população, é ação de Estado. Na falta de escolas, hospitais, repartições de atendimento em geral, a polícia é a única a representar o Estado junto à população. Logo, a forma da polícia atuar, é a "cara" do Estado. Como tal, as pessoas tendem a tomá-la como exemplo.
A polícia, por sua vez, praticamente sem treinamento - quando tem -, sem comando efetivo, sem laço social, age na base do conceito de justiça que cada um de seus integrantes tem. "Olho por olho", é o que se ouve falar. "Bandido não tem direito a nada", é a base do conceito de justiça que encontramos nos policiais. Não há lei, há vingança. Não procedimento, há enfrentamento. Nesse plano o policial se equipara ao criminoso. O policial se coloca como o reverso do criminoso. E sabemos que os opostos são dois lados de uma mesma moeda. Firma-se um "diálogo" em que, se o bandido "merece morrer", se bandido "tem é que apanhar", este retribui "falando" à população na mesma moeda: "otário (nós) tem é que morrer", "otário tem é que apanhar".
Não chegaremos a lugar nenhum lugar enquanto nossos governantes não entenderem que a polícia deve, sempre, estar do lado da lei. Deveria haver um epíteto para a polícia: "A polícia é o império da lei". E a lei não prevê agressão, assassinato, tortura, arbitrariedade. A lei é a lei, e a polícia deveria ser a guardiã da lei. Enquanto não for assim no Brasil, vamos continuar a assistir o que vemos todos os dias na televisão. Só muda de região, só muda a coloração. A violência é sempre a mesma.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
domingo, 11 de novembro de 2012
A Lógica da Estuprada
Quando era estudante, na década de 70, sob plena ditadura, tive na mão uma revista que trazia inserida um estorinha de quadrinhos de autoria de um francês. Conta a estória de um francesão, vivendo a "boa vida" numa aldeia a beira mar na Bahia. Ele era apaixonado por uma "nativa", uma mulatinha jeitosa, mas adolescente e virgem. Brincava com ela, inocentemente, na esperança de, um dia, vir a "desposá-la". Mas, um sacripanta, que reivindicava respeito por "ser um negociante", acabou por "fazer mal na menina", deixando o francês 'P' da vida. Na discussão ele pega a menina, vão prô mar e "sacramentam" o amor. As mulheres "locais" se perguntam se isso é "certo", pois nem eram casados. "Mas, o mal já estava feito, não é?"
A lógica da estuprada é muito corrente no Brasil. O que pareceu um jeito exótico para o autor francês, na verdade é uma maldição. O brasileiro tem a tendência a perdoar um mau feito se houve precedente impune. O pior é que a justiça brasileira tem tendência a raciocinar assim. Recentemente, absolveram o agressor de uma prostituta que o acusou de estupro. Considerando o estilo de vida da vítima, sua "inocência" seria descartada. O STF, mais para ajuntamento de advogados mercenários do que para uma corte (vide declaração de Daniel Dantas), também já inocentou um estuprador de uma menina de 12 anos porque, "nessa idade", hoje em dia, já se poderia considerá-la uma "moça".
Não é só com respeito a esse crime específico que o brasileiro é "condescendente" com o infrator. Esse raciocínio é o carro chefe da defesa do mensalão do PT. "Roubaram" dizem os defensores de Zé Dirceu e companhia, mas antes deles, também outros já roubaram. E se escaparam impunes, por que só esses terão de ser condenados? Se for assim, um assassino condenado poderá argumentar: só 2% dos homicídios são resolvidos. Por que só eu teria de ser crucificado?
Toda vez que falam dessa coisa de "estão nos crucificando", "a imprensa está criando uma farsa", "estão nos perseguindo", eu me lembro da estorinha do cartunista francês. É a lógica da estuprada. Muita gente no Brasil pensa assim.
A lógica da estuprada é muito corrente no Brasil. O que pareceu um jeito exótico para o autor francês, na verdade é uma maldição. O brasileiro tem a tendência a perdoar um mau feito se houve precedente impune. O pior é que a justiça brasileira tem tendência a raciocinar assim. Recentemente, absolveram o agressor de uma prostituta que o acusou de estupro. Considerando o estilo de vida da vítima, sua "inocência" seria descartada. O STF, mais para ajuntamento de advogados mercenários do que para uma corte (vide declaração de Daniel Dantas), também já inocentou um estuprador de uma menina de 12 anos porque, "nessa idade", hoje em dia, já se poderia considerá-la uma "moça".
Não é só com respeito a esse crime específico que o brasileiro é "condescendente" com o infrator. Esse raciocínio é o carro chefe da defesa do mensalão do PT. "Roubaram" dizem os defensores de Zé Dirceu e companhia, mas antes deles, também outros já roubaram. E se escaparam impunes, por que só esses terão de ser condenados? Se for assim, um assassino condenado poderá argumentar: só 2% dos homicídios são resolvidos. Por que só eu teria de ser crucificado?
Toda vez que falam dessa coisa de "estão nos crucificando", "a imprensa está criando uma farsa", "estão nos perseguindo", eu me lembro da estorinha do cartunista francês. É a lógica da estuprada. Muita gente no Brasil pensa assim.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
A Respeito de "Viver do Trabalho"
Em uma coluna da página 15 de O Globo, a Acadêmica Ana Maria Machado faz um apanhado completo do drama dos direitos autorais nas "mídias" e na internet em particular. Defende o Marco Civil da Internet, lei em discussão e tramitação no Congresso Nacional. Dona Ana Maria Machado quer que a veiculação de audiovisual na internet, sem a devida chancela de quem de direito, seja considerado crime. Assim: um neguinho (não tomem, aqui, por favor, qualquer relação envolvendo etnia - me recuso a falar de raça; neguinho é um vício de linguagem meu para referir qualquer ser humano), então, um neguinho resolve produzir um vídeo de uma viagem a Quito e daí põe um fundo musical do tipo "Bapa-rum, mau, mau" para dar um clima. Gosta do que fez e resolve por no YouTube e veicular na social prá mostrar pros amigos. Então? A Comics Entertainment poderá solicitar a prisão do neguinho pelo "bapa-rum", por ser ela a detentora dos direitos da elucidativa canção? A Prefeitura de Quito, acho, também teria direito. O dono da casa ladrilhada que, eventualmente, nosso amigo fotografou e inseriu no seu vídeo poderia denunciá-lo por roubo de imagem.
Peraí, gente. Sou a favor da preservação dos direitos de autor, mas crime, não! Mais paradoxal ainda é que, paralela a essa briga, vem outra, defendida por muitos - e muitos daqueles que se batem pelo Marco Civil -, pela descriminização de um "tapinha" de erva de vez em quando. Um "tapinha", pode. Por um fundo musical num videozinho do YouTube, cadeia! Vai ver que essa é a mesma lógica que no Brasil tenhamos uma legislação que bota na cadeia por oito anos, em regime fechado, sem direito a sursis, quem mata um passarinho, mas permite responder em liberdade e com direito a sursis, se condenado, quem mata um ser humano. Às vezes pode ser até assassino confesso e nem por isso pega um dia sequer de prisão (alguém aí vai duvidar?).
Falando sério, acho que o direito de autor deve ser preservado no INTERESSE DO AUTOR. Que seja econômico, se este assim o quiser. O descumprimento do dever econômico deve ser um crime grave (e no Brasil, não é), mas isso não tem nada a ver com direito autoral, tem a ver com direito civil e penal. No Brasil, onde ainda acreditamos que Deus é brasileiro, temos a mania de falar por Ele: escrever certo por linhas tortas. Em vez de corrigirmos a falha na legislação, insistimos em usar um paliativo para o caso específico. O neguinho postou no YouTube e Facebook? Ganhou dinheiro com isso? Então, que pague! Se não pagar, cadeia por ser mau pagador. Agora, o neguinho posta uma música qualquer. O autor nem se manifesta, ou se interessa, mas cadeia pro neguinho. Um 'ladrão' da arte alheia.
Mesmo assim, acho relativo essa coisa de direito de autor na mídia. O músico, até fins do século XIX, não contava com mídia para divulgar seu trabalho. Ele tinha que sair por aí, "vendendo" seu produto, isto é, cantando, interpretando, recitando pelas praças públicas e pedindo uma "cooperação". As pessoas "pagavam" com o que podiam e de acordo com o grau de apreciação do que viam e ouviam. Escritores enviavam seus produtos a mecenas que divulgavam. Estes, eventualmente, ofereciam pensão, mas mandavam copiar os trabalhos, e às suas custas divulgavam pelo mundo afora, onde outros copiavam para suas bibliotecas, e eu não tenho notícia de "pagamento de direitos autorais" pelos "copistas".
Foi no desenvolvimento dos meios de comunicação de massa que a arte e literatura que se conheceram um potencial desconhecido. E os interesses do grande capital se voltaram para ganhar, e muito, em cima de artistas e escritores, e estes reagiram, cheios de razão, e exigiram que um naco dessa riqueza viesse para eles. Foi uma reação em cima da ação predatória do grande capital.
Mas, a fonte verdadeira da riqueza do autor nunca deixou de ser o "pé-na-estrada" da canção imortalizada por Milton Nascimento. O contato do artista com seu público sempre foi a fonte de riqueza e a razão do artista existir. O ganho pela veiculação na mídia deve ser relativizado. Deve ser entendido no contexto do confronto capital x trabalho, do contrário, como disse a acadêmica Ana Maria Machado, voltaremos ao escravismo, com o artista como único escravo na sociedade democrática.
Podemos fazer uns exercícios interessantes a esse propósito, como pensar que o eventual autor da expressão "quem te viu, quem te vê" poderia registrá-la num desses órgãos de proteção ao direito autoral e exigir indenização de Chico Buarque pela sua utilização em um dos mais belos sambas de nossa MPB.
Toda arte, quando publicada, como diz a palavra, torna-se pública. Não pertence mais a quem a fez. A criação artística é autoria individual mas tem cunho social porque só pode ser concebida no contexto em que o artista vive. Hoje em dia, com a disseminação da internet, com a crescente democratização da mídia, falar em direito econômico do autor começou a perder o sentido. Salvo pela proteção contra a exploração pelo grande capital, coisa que tende cada vez mais a se dissipar, nunca foi tão verdadeiro a expressão "a arte é do povo". Reconhecer o crédito é a única reivindicação legítima pois com isso presta-se homenagem ao autor e dá a ele a credibilidade necessária para seu ganha pão.
O artista vai ter que voltar à praça pública para ganhar a vida.
Peraí, gente. Sou a favor da preservação dos direitos de autor, mas crime, não! Mais paradoxal ainda é que, paralela a essa briga, vem outra, defendida por muitos - e muitos daqueles que se batem pelo Marco Civil -, pela descriminização de um "tapinha" de erva de vez em quando. Um "tapinha", pode. Por um fundo musical num videozinho do YouTube, cadeia! Vai ver que essa é a mesma lógica que no Brasil tenhamos uma legislação que bota na cadeia por oito anos, em regime fechado, sem direito a sursis, quem mata um passarinho, mas permite responder em liberdade e com direito a sursis, se condenado, quem mata um ser humano. Às vezes pode ser até assassino confesso e nem por isso pega um dia sequer de prisão (alguém aí vai duvidar?).
Falando sério, acho que o direito de autor deve ser preservado no INTERESSE DO AUTOR. Que seja econômico, se este assim o quiser. O descumprimento do dever econômico deve ser um crime grave (e no Brasil, não é), mas isso não tem nada a ver com direito autoral, tem a ver com direito civil e penal. No Brasil, onde ainda acreditamos que Deus é brasileiro, temos a mania de falar por Ele: escrever certo por linhas tortas. Em vez de corrigirmos a falha na legislação, insistimos em usar um paliativo para o caso específico. O neguinho postou no YouTube e Facebook? Ganhou dinheiro com isso? Então, que pague! Se não pagar, cadeia por ser mau pagador. Agora, o neguinho posta uma música qualquer. O autor nem se manifesta, ou se interessa, mas cadeia pro neguinho. Um 'ladrão' da arte alheia.
Mesmo assim, acho relativo essa coisa de direito de autor na mídia. O músico, até fins do século XIX, não contava com mídia para divulgar seu trabalho. Ele tinha que sair por aí, "vendendo" seu produto, isto é, cantando, interpretando, recitando pelas praças públicas e pedindo uma "cooperação". As pessoas "pagavam" com o que podiam e de acordo com o grau de apreciação do que viam e ouviam. Escritores enviavam seus produtos a mecenas que divulgavam. Estes, eventualmente, ofereciam pensão, mas mandavam copiar os trabalhos, e às suas custas divulgavam pelo mundo afora, onde outros copiavam para suas bibliotecas, e eu não tenho notícia de "pagamento de direitos autorais" pelos "copistas".
Foi no desenvolvimento dos meios de comunicação de massa que a arte e literatura que se conheceram um potencial desconhecido. E os interesses do grande capital se voltaram para ganhar, e muito, em cima de artistas e escritores, e estes reagiram, cheios de razão, e exigiram que um naco dessa riqueza viesse para eles. Foi uma reação em cima da ação predatória do grande capital.
Mas, a fonte verdadeira da riqueza do autor nunca deixou de ser o "pé-na-estrada" da canção imortalizada por Milton Nascimento. O contato do artista com seu público sempre foi a fonte de riqueza e a razão do artista existir. O ganho pela veiculação na mídia deve ser relativizado. Deve ser entendido no contexto do confronto capital x trabalho, do contrário, como disse a acadêmica Ana Maria Machado, voltaremos ao escravismo, com o artista como único escravo na sociedade democrática.
Podemos fazer uns exercícios interessantes a esse propósito, como pensar que o eventual autor da expressão "quem te viu, quem te vê" poderia registrá-la num desses órgãos de proteção ao direito autoral e exigir indenização de Chico Buarque pela sua utilização em um dos mais belos sambas de nossa MPB.
Toda arte, quando publicada, como diz a palavra, torna-se pública. Não pertence mais a quem a fez. A criação artística é autoria individual mas tem cunho social porque só pode ser concebida no contexto em que o artista vive. Hoje em dia, com a disseminação da internet, com a crescente democratização da mídia, falar em direito econômico do autor começou a perder o sentido. Salvo pela proteção contra a exploração pelo grande capital, coisa que tende cada vez mais a se dissipar, nunca foi tão verdadeiro a expressão "a arte é do povo". Reconhecer o crédito é a única reivindicação legítima pois com isso presta-se homenagem ao autor e dá a ele a credibilidade necessária para seu ganha pão.
O artista vai ter que voltar à praça pública para ganhar a vida.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Prefeitura tomba o Estudantina, imprensa mata a História
Dou aqui meu depoimento a respeito. Corria o ano de 1978. Eram notórias duas gafieiras no centro do Rio: a Democráticos, herança do tempo das grandes sociedades, e a Elite, que atraía legiões de arrogantes cocotas da zona sul e estava perdendo suas características. A gafieira Elite tinha umas idiossincrasias, tinha dia do ano que promoviam uma procissão que percorria o salão, por exemplo. Outras vezes, elegia a Rainha da Elite, que tinha de ser uma das frequentadoras do local. Aí era bonito. Também tinha concurso de culinária das frequentadoras. Acolhia gente como Abel Ferreira, o clarinetista e Altamiro Carrilho, o flautista, dando canja, de vez em quando, quando ainda não tinham retomado o estrelato.
Isidro, um espanhol, como todos, ou quase todos, que exploram a noite do Rio, um dos proprietários da Elite rompeu a sociedade e se retirou com sua parte.
Eu e Helena, com quem namorava na época, passeávamos pelas imediações do Amarelinho, um "point" intelectual, na época. Nos juntamos a um casal, que tínhamos afinidade tão somente porque, como eles, costumávamos dançar nessas gafieiras.
Os mais antigos falavam de uma gafieira, a Estudantina, que ficava na Praça Tiradentes, que tinha fechado as portas havia já alguns anos.
Eis que nos deparamos com Isidro em pessoa acompanhado, aparentemente, de sua esposa, se bem que esta parecia bem mais nova do que ele. Sentamos em uma mesa de um daqueles bares nas imediações do Amarelinho e conversamos sobre o futuro da gafieira. Na época, nem sonhávamos com a possibilidade da idade de ouro da gafieira retornar, ganhando um esplendor que nunca tinha conhecido, já que, no primeiro período de ouro, as gafieiras eram mais um arremedo dos cassinos, frequentadas por gente sem recurso para desfilar pelos salões da Urca e outros locais requintados.
Isidro falou que, muito ao contrário de sua aposentadoria, pretendia abrir uma nova gafieira, pretendendo "voltar" a suas origens, que segundo ele (e nós concordávamos) andava perdendo suas características. Música boa, recuperando os tempos das grandes orquestras, que a Tabajara de Severino Araújo servia de arquétipo. A idéia parecia ótima. Até aquele momento, a música das gafieiras não passava de um quinteto com os metais no máximo compostos de um pistão e um trombone. O resto era feito por um teclado elétrico (cujos recursos, naquele tempo, estavam longe de ser satisfatórios), uma guitarra, um baixo e uma bateria de músicos há muito passados da idade de aposentadoria, mas que continuavam no batente porque a pensão do INSS, já naqueles anos, ficava muito aquém do mínimo necessário a uma vida decente.
"Onde será a nova 'casa'?", nos perguntamos. Isidro respondeu: na Praça Tiradentes, tem um galpão vazio lá. "Onde era a Estudantina?", perguntou Helena. Sim, respondeu Isidro, com uma cara de inocente simulado. Isidro escondia alguma coisa, como todo homem de negócio, especialmente da noite. E o nome? "Gafieira Tiradentes", respondeu Isidro. "Por que não Estudantina?", nós, em uníssono. "É. Pode ser. Vou pesquisar os direitos da marca". Isidro escondia essa informação. Por que? Não sei. Queria sondar o efeito do nome entre seus "usuários"? Não queria gastar dinheiro "comprando" os direitos do nome "Estudantina"?
Enfim, após alguns dois ou três meses, fomos todos estrear a dança na Gafieira Tiradentes, ao som da Orquestra Reversom (pronuncia-se réverssom), com seus metais sob o comando do maestro e pistonista Eraldo, da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio. Foram uns quatro ou cinco anos depois que o nome Tiradentes mudou para Estudantina. Passamos a ter a Estudantina recriada. Eu já estava fora do país, casado com Sonia, pai de Guido, tentando, nós dois, um doutorado.
Isidro, um espanhol, como todos, ou quase todos, que exploram a noite do Rio, um dos proprietários da Elite rompeu a sociedade e se retirou com sua parte.
Eu e Helena, com quem namorava na época, passeávamos pelas imediações do Amarelinho, um "point" intelectual, na época. Nos juntamos a um casal, que tínhamos afinidade tão somente porque, como eles, costumávamos dançar nessas gafieiras.
Os mais antigos falavam de uma gafieira, a Estudantina, que ficava na Praça Tiradentes, que tinha fechado as portas havia já alguns anos.
Eis que nos deparamos com Isidro em pessoa acompanhado, aparentemente, de sua esposa, se bem que esta parecia bem mais nova do que ele. Sentamos em uma mesa de um daqueles bares nas imediações do Amarelinho e conversamos sobre o futuro da gafieira. Na época, nem sonhávamos com a possibilidade da idade de ouro da gafieira retornar, ganhando um esplendor que nunca tinha conhecido, já que, no primeiro período de ouro, as gafieiras eram mais um arremedo dos cassinos, frequentadas por gente sem recurso para desfilar pelos salões da Urca e outros locais requintados.
Isidro falou que, muito ao contrário de sua aposentadoria, pretendia abrir uma nova gafieira, pretendendo "voltar" a suas origens, que segundo ele (e nós concordávamos) andava perdendo suas características. Música boa, recuperando os tempos das grandes orquestras, que a Tabajara de Severino Araújo servia de arquétipo. A idéia parecia ótima. Até aquele momento, a música das gafieiras não passava de um quinteto com os metais no máximo compostos de um pistão e um trombone. O resto era feito por um teclado elétrico (cujos recursos, naquele tempo, estavam longe de ser satisfatórios), uma guitarra, um baixo e uma bateria de músicos há muito passados da idade de aposentadoria, mas que continuavam no batente porque a pensão do INSS, já naqueles anos, ficava muito aquém do mínimo necessário a uma vida decente.
"Onde será a nova 'casa'?", nos perguntamos. Isidro respondeu: na Praça Tiradentes, tem um galpão vazio lá. "Onde era a Estudantina?", perguntou Helena. Sim, respondeu Isidro, com uma cara de inocente simulado. Isidro escondia alguma coisa, como todo homem de negócio, especialmente da noite. E o nome? "Gafieira Tiradentes", respondeu Isidro. "Por que não Estudantina?", nós, em uníssono. "É. Pode ser. Vou pesquisar os direitos da marca". Isidro escondia essa informação. Por que? Não sei. Queria sondar o efeito do nome entre seus "usuários"? Não queria gastar dinheiro "comprando" os direitos do nome "Estudantina"?
Enfim, após alguns dois ou três meses, fomos todos estrear a dança na Gafieira Tiradentes, ao som da Orquestra Reversom (pronuncia-se réverssom), com seus metais sob o comando do maestro e pistonista Eraldo, da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio. Foram uns quatro ou cinco anos depois que o nome Tiradentes mudou para Estudantina. Passamos a ter a Estudantina recriada. Eu já estava fora do país, casado com Sonia, pai de Guido, tentando, nós dois, um doutorado.
domingo, 19 de agosto de 2012
Elio Gaspari e as cotas na universidade
Elio Gaspari, apaixonadamente favorável à política de cotas na universidade, faz um comentário, hoje, até que moderadamente, do assunto. Não sou um leitor assíduo dele, mas leio muitas de suas colunas às 4as-feiras e domingos no Globo. Como já disse anteriormente, não vejo vantagem nessa política. Ao contrário, vejo resultados perniciosos. O curioso é que os defensores dessa política não consideram, nem de raspão, a tolerância do sistema, em termos de qualidade, à política de cotas generalizadas. Pelo quê estamos lutando, afinal? Encontrar diplomas de médico ou engenheiros negros nos consultórios e escritórios da vida? Essa é a visão de democracia que temos? Vale perguntar do nível de capacitação dos nossos profissionais frente a outros países, concorrentes diretos na briga do comércio mundial? Tanto faz se é negro ou branco. Nossos profissionais são capazes? Ninguém do partido das cotas, Elio Gaspari inclusive, se pergunta. Será que eles acham que a "qualidade" vem com o tempo? Ou se conformam com a expressão: "isso é para uma etapa posterior", que em português claro quer dizer: "que outros se ocupem desse problema". Ignoram, e fazem questão de ignorar que TODO processo de melhoria de qualidade, decorre de um sistema SELETIVO. Não existe outro. É uma imposição da mãe natureza (vide a lei da evolução das espécies, de Darwin). Mesmo nos países ditos "comunistas", onde o processo chega às raias do desumano (vide últimas matérias sobre o "treinamento" das crianças chinesas), o processo é, basicamente, seletivo. Processo esse que está sendo negado, triturado, trucidado, nessa política geral de cotas brasileira. Ao invés de procurar a melhoria, vamos na contramão. Sem processo seletivo, o sistema tende a degenerar. Uso o termo não no sentido moral, mas no sentido matemático. "Degenerecência" é a situação de perda de uma qualidade específica em prol de uma qualidade genérica. Não se espera que uma variável degenerada tenha um certo valor, e sim, qualquer valor. Então, senhores apaixonados defensores das "cotas para tudo", a "democracia" está chegando às universidades, isto é, estamos nivelando por baixo. E não é pela presença de negros ou qualquer outro tipo de "cotista", e sim pela absoluta falta de interesse no assunto. Vamos jogar nossa paixão na luta por um sistema educacional brasileiro que preste? Não só universitário, mas desde o básico? Aí, então, que as melhores escolas atendam os melhores talentos, sejam eles brancos, negros ou amarelos. Oportunidade é para todos, não para alguns negros, alguns nordestinos ou alguns favelados às custas de uma maioria de negros, nordestinos, favelados e brancos pobres. Do jeito que está, o que Elio Gaspari menciona, em tom jocoso, daqueles que prenunciavam o fim do mundo, o que podemos dizer é: "menos, Elio, menos. Não é do mundo, nem do Brasil, é da Universidade. E estamos assistindo um filme que vai terminar com seu fim". Ou alguém acha que a "elite" vai ficar passivamente vendo seus filhos frequentarem esse pardieiro que a coisa vai ficar. Eles vão procurar alternativas. E tem posses para isso. Enquanto isso, a classe média remediada brasileira..., deixa prá lá.
domingo, 12 de agosto de 2012
Veríssimo e o ouro de Berlim
Veríssimo quer que os alemães devolvam o ouro que os nazistas levaram da Grécia. Também acha que os europeus deveriam pagar o ouro que levaram da América. Parou aí? E a pilhagem do Templo e escravização dos palestinos para construir o Coliseu pelos romanos? E os tesouros pilhados no Caribe, os ataques dos franceses no Brasil?
A bem dizer da verdade, a questão não é "devolver" o que levou. Estão demonizando os alemães mas não veem o que eles estão propondo. Para gente como Veríssimo (que me decepcionou faz tempo, alguém capaz de produzir textos tão deliciosos não tem inteligência para ver as coisas além da superfície) a questão é: os gregos precisam de ajuda! Não vão ajudá-los? Se você ver o que os alemães estão propondo (sim, eles tem uma proposta!) não se trata de, simplesmente, dizer não. As razões para a crise grega tem raízes na própria atitude dos gregos. Dizer: "a crise tem origem nos EUA" é a resposta? Primeiro, isso tem cara da velha mania de imputar aos outros a culpa pelas próprias limitações. Depois, se isso é verdade, os gregos (e quem mais se achar "vítima" da crise americana) pecam por depender demais dos americanos. Finalmente, olhando de perto para o sistema politico e econômico da Grécia, as razões da crise estão bem mais no lado interno do que o externo. Afinal, se os alemães "ajudam", mesmo em nome de um canhestro acerto de contas pelo ouro "pilhado", sem que uma correção radical na maneira dos gregos viverem e se organizarem, daqui a um tempo estaremos, novamente, clamando pela ajuda aos coitados dos gregos. Aí Veríssimo se encarrega de fazer a reserva de riqueza, que os alemães devolvam (melhor, paguem) pelo tesouro histórico pilhado. Depois... será ajuda humanitária, mesmo. Enfim. Os alemães, povo que sofreu o diabo com seus modos perdulários, aprenderam a poupar, se organizar, criar um sistema político afinado com seu modo de vida. Aí, vai uma ajuda dos ingleses e americanos (será que eles teriam de pagar por isso, também?). Agora, quando os alemães elevam a idade de aposentadoria para 67 anos, os gregos vão às ruas para protestar porque querem derrubar a aposentadoria na ordem dos 50! Por que os alemães tem que trabalhar mais de dez a mais? O que dizem os alemães é: vocês aí da Grécia, acertem suas vidas, vivam conforme suas possibilidades. Então ajudaremos. Mas nossos amigos "da esquerda" preferem por a culpa nas "pilhagens". Eu me pergunto qual é o conceito de riqueza que essas pessoas tem.
A bem dizer da verdade, a questão não é "devolver" o que levou. Estão demonizando os alemães mas não veem o que eles estão propondo. Para gente como Veríssimo (que me decepcionou faz tempo, alguém capaz de produzir textos tão deliciosos não tem inteligência para ver as coisas além da superfície) a questão é: os gregos precisam de ajuda! Não vão ajudá-los? Se você ver o que os alemães estão propondo (sim, eles tem uma proposta!) não se trata de, simplesmente, dizer não. As razões para a crise grega tem raízes na própria atitude dos gregos. Dizer: "a crise tem origem nos EUA" é a resposta? Primeiro, isso tem cara da velha mania de imputar aos outros a culpa pelas próprias limitações. Depois, se isso é verdade, os gregos (e quem mais se achar "vítima" da crise americana) pecam por depender demais dos americanos. Finalmente, olhando de perto para o sistema politico e econômico da Grécia, as razões da crise estão bem mais no lado interno do que o externo. Afinal, se os alemães "ajudam", mesmo em nome de um canhestro acerto de contas pelo ouro "pilhado", sem que uma correção radical na maneira dos gregos viverem e se organizarem, daqui a um tempo estaremos, novamente, clamando pela ajuda aos coitados dos gregos. Aí Veríssimo se encarrega de fazer a reserva de riqueza, que os alemães devolvam (melhor, paguem) pelo tesouro histórico pilhado. Depois... será ajuda humanitária, mesmo. Enfim. Os alemães, povo que sofreu o diabo com seus modos perdulários, aprenderam a poupar, se organizar, criar um sistema político afinado com seu modo de vida. Aí, vai uma ajuda dos ingleses e americanos (será que eles teriam de pagar por isso, também?). Agora, quando os alemães elevam a idade de aposentadoria para 67 anos, os gregos vão às ruas para protestar porque querem derrubar a aposentadoria na ordem dos 50! Por que os alemães tem que trabalhar mais de dez a mais? O que dizem os alemães é: vocês aí da Grécia, acertem suas vidas, vivam conforme suas possibilidades. Então ajudaremos. Mas nossos amigos "da esquerda" preferem por a culpa nas "pilhagens". Eu me pergunto qual é o conceito de riqueza que essas pessoas tem.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
STF aprova política de cotas
Ao aprovar a PCAPA, as políticas de cotas que assolam o país por unanimidade, o STF mostrou que é composto de arrivistas. Ao livrar a cara de um estuprador de uma menina de 12 anos, o STF mostrou que é inócuo. Ao mandar soltar, com direito a sursis antecipado, um assassino confesso de uma jornalista, sua ex-namorada, o STF mostrou que é temerário. Ao libertar um político corrupto, procurado no mundo inteiro pela Interpol, dando a ele imunidade completa em território nacional, o STF mostrou que é tanto ou mais corrupto. STF, uma instituição desnecessária.
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