quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Prefeitura tomba o Estudantina, imprensa mata a História

Dou aqui meu depoimento a respeito. Corria o ano de 1978. Eram notórias duas gafieiras no centro do Rio: a Democráticos, herança do tempo das grandes sociedades, e a Elite, que atraía legiões de arrogantes cocotas da zona sul e estava perdendo suas características. A gafieira Elite tinha umas idiossincrasias, tinha dia do ano que promoviam uma procissão que percorria o salão, por exemplo. Outras vezes, elegia a Rainha da Elite, que tinha de ser uma das frequentadoras do local. Aí era bonito. Também tinha concurso de culinária das frequentadoras. Acolhia gente como Abel Ferreira, o clarinetista e Altamiro Carrilho, o flautista, dando canja, de vez em quando, quando ainda não tinham retomado o estrelato.
Isidro, um espanhol, como todos, ou quase todos, que exploram a noite do Rio, um dos proprietários da Elite rompeu a sociedade e se retirou com sua parte.
Eu e Helena, com quem namorava na época, passeávamos pelas imediações do Amarelinho, um "point" intelectual, na época. Nos juntamos a um casal, que tínhamos afinidade tão somente porque, como eles, costumávamos dançar nessas gafieiras.
Os mais antigos falavam de uma gafieira, a Estudantina, que ficava na Praça Tiradentes, que tinha fechado as portas havia já alguns anos.
Eis que nos deparamos com Isidro em pessoa acompanhado, aparentemente, de sua esposa, se bem que esta parecia bem mais nova do que ele. Sentamos em uma mesa de um daqueles bares nas imediações do Amarelinho e conversamos sobre o futuro da gafieira. Na época, nem sonhávamos com a possibilidade da idade de ouro da gafieira retornar, ganhando um esplendor que nunca tinha conhecido, já que, no primeiro período de ouro, as gafieiras eram mais um arremedo dos cassinos, frequentadas por gente sem recurso para desfilar pelos salões da Urca e outros locais requintados.
Isidro falou que, muito ao contrário de sua aposentadoria, pretendia abrir uma nova gafieira, pretendendo "voltar" a suas origens, que segundo ele (e nós concordávamos) andava perdendo suas características. Música boa, recuperando os tempos das grandes orquestras, que a Tabajara de Severino Araújo servia de arquétipo. A idéia parecia ótima. Até aquele momento, a música das gafieiras não passava de um quinteto com os metais no máximo compostos de um pistão e um trombone. O resto era feito por um teclado elétrico (cujos recursos, naquele tempo, estavam longe de ser satisfatórios), uma guitarra, um baixo e uma bateria de músicos há muito passados da idade de aposentadoria, mas que continuavam no batente porque a pensão do INSS, já naqueles anos, ficava muito aquém do mínimo necessário a uma vida decente.
"Onde será a nova 'casa'?", nos perguntamos. Isidro respondeu: na Praça Tiradentes, tem um galpão vazio lá. "Onde era a Estudantina?", perguntou Helena. Sim, respondeu Isidro, com uma cara de inocente simulado. Isidro escondia alguma coisa, como todo homem de negócio, especialmente da noite. E o nome? "Gafieira Tiradentes", respondeu Isidro. "Por que não Estudantina?", nós, em uníssono. "É. Pode ser. Vou pesquisar os direitos da marca". Isidro escondia essa informação. Por que? Não sei. Queria sondar o efeito do nome entre seus "usuários"? Não queria gastar dinheiro "comprando" os direitos do nome "Estudantina"?
Enfim, após alguns dois ou três meses, fomos todos estrear a dança na Gafieira Tiradentes, ao som da Orquestra Reversom (pronuncia-se réverssom), com seus metais sob o comando do maestro e pistonista Eraldo, da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio. Foram uns quatro ou cinco anos depois que o nome Tiradentes mudou para Estudantina. Passamos a ter a Estudantina recriada. Eu já estava fora do país, casado com Sonia, pai de Guido, tentando, nós dois, um doutorado.

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