sexta-feira, 25 de julho de 2008

Veríssimo e a Reforma Agrária

Semana passada, saiu na coluna de Luiz Fernando Veríssimo, nO Globo, comentários a respeito de opiniões de um dirigente de uma instituição ruralista sobre outra coluna de Veríssimo. Enfim. Veríssimo expõe de forma serena e firme, como lhe é característico, sua posição a respeito do assunto.
Tenho muita admiração por Veríssimo. Como fui fã de seu pai, Érico (se você não leu "O Tempo e o Vento" e "Incidente em Antares", ainda há tempo) achava que Luiz Fernando iria carregar o peso do nome, isto é, viveria à sombra do pai. Não foi o que ocorreu. Luiz Fernando criou seu próprio estilo e trabalha numa das mais árduas atividades literárias: o humor. E o faz bem!
No entanto, discordo de sua visão política. Luiz Fernando Veríssimo foi (ou ainda é?) brizolista e esse é um "defeito" de seu veio gaúcho. Há gaúchos brizolistas demais. Acho até que isso é contaminação caudilhista dos argentinos, mas discutir isso fica para um outro dia.
Não quero radicalizar ou polarizar a discussão. Desde já deixo aqui registrado que também fui levado (num breve período de tempo, é verdade) pela "vaga" brizolista no Rio de Janeiro. Em 82, enquanto votava em Lisâneas Maciel, o candidato do PT, não considerava de todo derrotado se Brizola ganhasse, como aconteceu. Mas o meu "brizolismo" se dissipou logo na primeira entrevista depois de eleito, a Eliakin Araújo, na rádio JB.
Há um ar nostálgico naqueles que seguem o brizolismo. Para mim é como ficar num debate com os militaristas do golpe de 64. Desculpe se ofendo alguém. Mas é assim que sinto. No mundo de hoje já não cabem brizolistas e golpistas de 64. Pergunto-me se cabe o "lulismo", ainda, mas isso tem que ser tema para outro dia, também.
Minha questão, então, é a reforma agrária. Veríssimo usa, de forma eloqüente, de diversos argumentos para defender a Reforma Agrária. Volto a me defender admitindo que também já concordei em gênero, número e grau com propostas assim. Também me servi de argumentos semelhantes a de Veríssimo. O que sinto agora, não é de um posicionamento oposto, mas de acréscimo, de deter algo além, de estar mais informado.
E assim informado, creio que tenho que discordar de Veríssimo. Não se trata de me dizer: agora estou do lado dos ruralistas. Veja que o termo "latifundiário" desapareceu do debate e eu me pergunto por que. Agora, o lado oposto não são os grandes proprietários de terra e sim um gente que se organiza através de um grupo de pressão no Congresso Nacional. Gente que não necessariamente possui grandes lotes de terra. Basta que tenha terra, produtiva ou não.
Não estou do lado dos ruralistas. Nem quero que essa massa de gente sem trabalho ou meios de vida "se dane". Estou preocupado, como brasileiro, como ser humano com a miséria que insiste em se alastrar no Brasil, apesar do The Economist achar que estamos prestes a virar super-potência. A questão não é "quero uma solução ou não quero solução nenhuma". Como todos, ou quase todos, quero que tudo isso se resolva e não se fale mais em injustiça social no Brasil. A questão é "que solução temos"? E, mais uma vez desculpem-me, acho que, nos dias de hoje, reforma agrária não é solução.
O primeiro ponto que levanto na questão da reforma agrária é: como está a situação agrária no Brasil? Procurando a resposta, vejo que, à primeira vista, o quadro não é de terras e terras desoladamente paradas, latifundiários detendo a terra e impedindo o pobre do pequeno agricultor de plantar. O que se vê é uma economia vigorosa com proprietários grandes e pequenos transformados em empresários que gerem seu agro-negócio. A quadro rural no Brasil parece não ser mais o de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e o agricultor não se parece mais com Jeca Tatu, de Monteiro Lobato. São pessoas articuladas que investem, em baixa ou alta escala, de acordo com seus recursos. O campo no Brasil agora parece mais com um ambiente de negócios. A questão agrária no Brasil passou a ser um problema de escala.
Então, o que está errado?
Há uns anos, pus a mão em um artigo numa dessas revistas de sociologia e política, do tipo dos editados por Civilização Brasileira, Paz e Terra, etc. Nesse artigo, o autor publicava extratos de entrevistas com bóias frias e outros excluídos do processo agrário no Estado de Goiás. O que chama a atenção é que, quase que invariavelmente, os trabalhadores pobres descendiam de antigos proprietários de terra, que a haviam perdido por uma série de razões, inclusive por incompetência do governo. Mas essa não era a razão principal. A maioria havia perdido suas terras por ignorância, por terem sido enganados, por grilhagem, por posseiros, por embate violentos, etc. Essa situação não desapareceu. No Brasil continua-se a perder terras por grilhagem, banditismo, fraude, embuste, etc. Então, para esses "sem terra" eu pergunto: se por acaso essa gente rever suas terras, ou outras, tanto faz, como saberíamos se, por alguma razão ilícita ou não, eles perderão outra vez? E mais: mesmo aqueles que jamais tiveram qualquer pedaço de chão, como saberemos se eles manterão suas terras quando as ganharem numa reforma agrária? Então, não se trata de falar de uma fração dos atuais sem-terra, mas virtualmente de quase todos. Como saberemos se essa gente saberá tratar a terra de forma adequada, para o bem do Brasil?
Pouca gente se recorda, ou não quer recordar, que em 1966, o governo de Castello Branco instituiu o Estatuto da Terra. Um conjunto de medidas que se pareciam, mais ou menos, com as medidas reivindicadas há muito para os problemas do campo no Brasil. Era uma tentativa dos militares em botar panos quentes às questões do campo. Tenho alguns depoimentos da época. Gente contando que seus avós, ou mesmo pais, donos de terras em Mato Grosso, Goiás, Minas, São Paulo, perderam gado e outros bens pois os empregados "escolhiam" aquilo que achavam que mereciam e partiam com os bens como se lhes fossem todo o direito diante da exploração. Alguns patrões ofereciam "benesses" a empregados fiéis como forma de compensar a ausência de direitos trabalhistas no campo. Com o Estatuto da Terra, deixaram de dar, por conta dos prejuízos que o Estatuto lhes impingiu. Resultado: antigos empregados que partiram com o gado e outros bens nos atos de "justiciamento" voltaram miseráveis pois não souberam aproveitar-se desses bens. Sem proteção paternalista dos patrões e com direitos aviltantes, transformaram-se em "bóias frias". Bóia fria, então é uma instituição decorrente do arremedo de Reforma Agrária que os militares tentaram implantar.
Outra coisa que eu pergunto: uma vez que essas pessoas "ganham" um lote de terra, o que farão com ela? "Agricultura de sobrevivência", respondem os defensores da R.A. Então é isso? Dão um lote de terra, capitalistamente falando, dão de graça um valor a alguém e ele fica plantando para se sustentar? Só? Então por que eu, que trabalho anos a fio, faço economias, me sacrifico, e tenho um apartamento na Zona Sul do Rio, também não mereço "ganhar", em vez de comprar. Eu preciso para me sustentar, também.
Veríssimo fala em "prefiro a ordem à justiça". A idéia, creio eu é: "vamos dar o que eles querem e aí eles ficam 'calmos'". Será? Eu acho que não. Eu acho que depois virá: "precisamos de ajuda para plantar", "precisamos de financiamento", "precisamos senão... eu fico bravo". E vamos "dar" mais para que eles fiquem calmos.
Veríssimo fala da distribuição de terras no Estados Unidos mas se esquece de dizer que os "desapropriados" eram os índios. Sempre se tira de alguém quando se distribui algum bem público. E nem sempre o prejudicado merece esse castigo.
Eu já vi gente do MST entrar em hospital e desligar aparelhos de hemodiálise, colocando em risco a vida dos pacientes. Já vi gente do MST apertar botão de comando em usina hidrelétrica, como se fosse "brinquedo". Já vi MST destruir plantações e instalações de fazendas produtivas, atacar ecossistemas, invadir o Congresso Nacional quebrando tudo o que via pela frente, invadir campus universitário e ameçar professor que queria dar aula. Então tem que "dar" o que eles querem para eles ficarem calmos? Não é assim que a gente reage diante de assaltante? "Não faça nada de ameaçador, entregue tudo o que tem, mantenha-se calmo" Isso é para o assaltante ou para o MST?
Já vi gente falar que os assentados se organizam em cooperativas. Então, mais um local para políticos e arrivistas se instalarem?
Resolver problema de miséria no Brasil passa por uma política de emprego. As soluções são econômicas e não de Reforma Agrária. Afinal nossa terra é para todos. Não é para herdeiros de capitanias hereditárias, não é para quem grita mais.
Tenho, há um certo tempo, uma noção, cada vez mais intensa, que as ações da esquerda geralmente acaba abrindo espaço para o banditismo. Um dia falo disso. E o que vemos agora? Bingo! José Rainha, um dos mais proeminentes e agressivos líderes do MST associa-se com gente do tráfico na Rocinha, Rio de Janeiro. O MST apressa-se em dizer que ele nada mais tem com o movimento. Será?
Ao contrário de Veríssimo, eu prefiro a lei. Sem ela não há justiça, sem ela não há ordem.

Nenhum comentário: