Rock que é rock deve ser modal, do modo do blues ou soul;
rock que é rock deve seguir o ritmo do R&B, do boogie-woogie ou do swing;
rock que é rock deve ser sincopado com o cantor(a) dialogando com a guitarra ou sax que se insere com riffs descolados e dissonantes;
rock que é rock deve ter uma guitarra ou piano de base com arpejos e arcodes abusando das sextas diminuidas, sétimas aumentadas, nonas, décimas primeiras e décimas terceiras a rodo;
rock que é rock deve falar de sexo, alcool, drogas ou temas da contra-cultura;
rock que é rock deve ter no mínimo um improviso de virada cheio de riffs e puxadas de blues e swing, mostrando virtuose do guitarrista, ou pianista ou saxofonista; pode ser até violino;
Quer barulho, vai ouvir britadeira;
Quer modo jônico, vai ouvir Beethoven;
Quer modo frígio, vai ouvir música turca;
Quer música tonal, vai ouvir bossa nova;
Quer falar de amor, canta uma ária ou um lied de Schumman;
Quer fazer uma evocação, canta um hino;
Quer alegria, vai ouvir música pop;
Quer falar de Deus, canta uma gospel.
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
segunda-feira, 29 de maio de 2017
A insustentável in-leveza do ser
Não consigo deixar de comparar as diversas fases de nossa vida tupiniquim com um livro que marcou meus anos 30, lá pela década de 1980 e imediações, cujo autor descreveu as vicissitudes de ser tcheco, isto é, do lado de lá da cortina, em uma Europa dividida em dois até lá pelos anos 90. Milan Kundera escrevera seu "A insustentável leveza do ser" como um auto de seu próprio destino e ia além. Tomas e Tereza, os protagonistas principais têm sua saga descrita até suas mortes, finalmente em relativa felicidade.
O que têm a ver o título? Na saga, Tereza, que segue Tomas em seu refúgio na Suíça, onde ele encontra razoável sucesso profissional e sexual, retorna à ocupada Tcheco-eslováquia pelos soviéticos na sequência da famosa "Primavera de Praga", cuja referência encontra-se nas "Primaveras Árabes" das - não mais tão - atuais revoltas nos países do oriente médio (e que, como em Praga, deu no que deu). Para justificar seu retorno à opressão ela sustenta: "Aqui (no lado ocidental) eu me sinto insustentavelmente leve". Tomas, surprendentemente, a segue. Terá tido ele a mesma sensação? O livro não esclarece.
Quando li, para mim que ainda não tinha entrado em contato com a (real) cultura européia, aquilo me pareceu uma verdade quase exótica. Minha identificação com Tereza era que, como ela, eu vivia sob a opressão. Caetano Veloso cantou quase o mesmo drama em London, London. Enquanto ele deparava-se com a leveza que tanto almejávamos aqui no lado de baixo de equador, ao mesmo tempo queixava-se: "Yes, yes, no one here to say hello". Não era a leveza que o incomodava, senão a solidão.
Mas, por que estou escrevendo sobre isso? É porque o romance virou filme americano. Bem produzido, com interpretações soberbas. Não agradou muito a esquerda. Esta identificava-se com os ocupantes soviéticos. Nessa transcrição senti a perda de certos aspectos originais do livro, o que é normal. Muda-se a linguagem, mudam-se as ênfases. No filme, as puladas de muro de Tomas é que afligem Tereza. Quase que o sumo da trama se perdeu. Mas o retorno à Tcheco-eslováquia traz uma carga pesada demais para uma simples frustração amorosa.
E daí? Daí que há uma cena no filme, antes da ocupação, antes de Tomas e Tereza partirem de Praga. Em uma boate, jovens antenados da época, 1968, com seus jeans e cabelos compridos dividem espaço com oficiais soviéticos uniformisados. Estes ordenam que os músicos toquem uma velha canção russa o que nitidamente contrasta com o "vigor do rock-and-roll". Em dado momento os músicos, jovens como a maioria dos frequentadores, se revoltam e soltam suas guitarras e vozes numa canção moderna. Vê-se ali um evidente contraste. É o regime soviético imposto pela força de uma divisão geográfica arbitrária na sequência de uma guerra atroz representado pelos velhos e fardados oficiais em oposição a uma juventude pujante sedenta de inovação e agitação. Ali estava a Primavera de Praga sintetizada. Nada como uma casa noturna para expor os contrastes de geração e ideologia.
Não posso deixar de comparar essa cena com o que vi ontem, domingo, na manifestação da esquerda outrora festiva, depois regozijante, hoje frustrada. Vê-se artistas como Caetano Veloso e Milton Nascimento apresentando-se para sustentar a tentativa de melação de tudo o que se faz hoje pela recuperação do país após a catástrofe deixada pelo furacão denominado Dilma (isto é, fazem tudo o que acusavam de fazerem os tucanos depois da eleição de 2014 - lembram-se do 'querem um 3o. turno'). Ignoram que o sentimento geral é de tentar limpar a sujeira que impera no Brasil desde sempre, mas que se intensificou durante o governo PT. O objetivo é "retornar ao poder". Para quê? Para que os "velhos companheiros" já sem fardas, possam voltar a ditar qual a música tocar: que seja de Caetano, Milton, Chico...
Eu fico imaginando como um jovem de seus 20 anos, do subúrbio ou das "comunidades", sem emprego, com os projetos de faculdade enterrados, com filho e mulher (também desempregada) para sustentar vê as caras desses artistas consagrados em Copacabana se opondo a tudo o que ameaça suas "boquinhas". Não me furto em pensar que para ele, essas caras envelhecidas, a cantar canções ultrapassadas, com gosto de fruta podre, não passam de "oficiais soviéticos" a entoar velhas canções russas que ninguém mais entende ou aprecia.
Será que precisaremos de uma Primavera?
Para mim, brasileiro em particular e latino-americano no geral, nunca houve leveza, sustentável ou não, nem aqui, nem na Europa. Esta, quando lá residi, me pareceu opressiva e hostil. Afinal, eu não sou Tcheco.
O que têm a ver o título? Na saga, Tereza, que segue Tomas em seu refúgio na Suíça, onde ele encontra razoável sucesso profissional e sexual, retorna à ocupada Tcheco-eslováquia pelos soviéticos na sequência da famosa "Primavera de Praga", cuja referência encontra-se nas "Primaveras Árabes" das - não mais tão - atuais revoltas nos países do oriente médio (e que, como em Praga, deu no que deu). Para justificar seu retorno à opressão ela sustenta: "Aqui (no lado ocidental) eu me sinto insustentavelmente leve". Tomas, surprendentemente, a segue. Terá tido ele a mesma sensação? O livro não esclarece.
Quando li, para mim que ainda não tinha entrado em contato com a (real) cultura européia, aquilo me pareceu uma verdade quase exótica. Minha identificação com Tereza era que, como ela, eu vivia sob a opressão. Caetano Veloso cantou quase o mesmo drama em London, London. Enquanto ele deparava-se com a leveza que tanto almejávamos aqui no lado de baixo de equador, ao mesmo tempo queixava-se: "Yes, yes, no one here to say hello". Não era a leveza que o incomodava, senão a solidão.
Mas, por que estou escrevendo sobre isso? É porque o romance virou filme americano. Bem produzido, com interpretações soberbas. Não agradou muito a esquerda. Esta identificava-se com os ocupantes soviéticos. Nessa transcrição senti a perda de certos aspectos originais do livro, o que é normal. Muda-se a linguagem, mudam-se as ênfases. No filme, as puladas de muro de Tomas é que afligem Tereza. Quase que o sumo da trama se perdeu. Mas o retorno à Tcheco-eslováquia traz uma carga pesada demais para uma simples frustração amorosa.
E daí? Daí que há uma cena no filme, antes da ocupação, antes de Tomas e Tereza partirem de Praga. Em uma boate, jovens antenados da época, 1968, com seus jeans e cabelos compridos dividem espaço com oficiais soviéticos uniformisados. Estes ordenam que os músicos toquem uma velha canção russa o que nitidamente contrasta com o "vigor do rock-and-roll". Em dado momento os músicos, jovens como a maioria dos frequentadores, se revoltam e soltam suas guitarras e vozes numa canção moderna. Vê-se ali um evidente contraste. É o regime soviético imposto pela força de uma divisão geográfica arbitrária na sequência de uma guerra atroz representado pelos velhos e fardados oficiais em oposição a uma juventude pujante sedenta de inovação e agitação. Ali estava a Primavera de Praga sintetizada. Nada como uma casa noturna para expor os contrastes de geração e ideologia.
Não posso deixar de comparar essa cena com o que vi ontem, domingo, na manifestação da esquerda outrora festiva, depois regozijante, hoje frustrada. Vê-se artistas como Caetano Veloso e Milton Nascimento apresentando-se para sustentar a tentativa de melação de tudo o que se faz hoje pela recuperação do país após a catástrofe deixada pelo furacão denominado Dilma (isto é, fazem tudo o que acusavam de fazerem os tucanos depois da eleição de 2014 - lembram-se do 'querem um 3o. turno'). Ignoram que o sentimento geral é de tentar limpar a sujeira que impera no Brasil desde sempre, mas que se intensificou durante o governo PT. O objetivo é "retornar ao poder". Para quê? Para que os "velhos companheiros" já sem fardas, possam voltar a ditar qual a música tocar: que seja de Caetano, Milton, Chico...
Eu fico imaginando como um jovem de seus 20 anos, do subúrbio ou das "comunidades", sem emprego, com os projetos de faculdade enterrados, com filho e mulher (também desempregada) para sustentar vê as caras desses artistas consagrados em Copacabana se opondo a tudo o que ameaça suas "boquinhas". Não me furto em pensar que para ele, essas caras envelhecidas, a cantar canções ultrapassadas, com gosto de fruta podre, não passam de "oficiais soviéticos" a entoar velhas canções russas que ninguém mais entende ou aprecia.
Será que precisaremos de uma Primavera?
Para mim, brasileiro em particular e latino-americano no geral, nunca houve leveza, sustentável ou não, nem aqui, nem na Europa. Esta, quando lá residi, me pareceu opressiva e hostil. Afinal, eu não sou Tcheco.
Catarses ontem e hoje
A História da humanidade parece mostrar que precisamos de catarses. O futebol e os esportes em geral fazem essa função nos tempos modernos. Na Grécia antiga, era o teatro. Houve tempo que se valeram dessa necessidade para engendrar guerras: a preparação, a espectativa, as mobilizações eram cercadas dessa ânsia por movimentos catarticos. Bem sabemos no que deu. Os jogos olímpicos, tanto hoje em dia, como antigamente possuem essa natureza catártica que tanto necessitamos. Antes dos jogos olímpicos da antiguidade, os gregos se davam a essa infame prática de guerrear entre si. Hoje em dia, seria como uma entrada na agenda "Video Show" dos espartanos: qual será o programa desse verão? R. Guerrear contra Corinto. Com o tempo, o que era uma confraternização de mulheres para festejar a safra do ano foi ganhando força e passou a ser "o programa" do verão com seus heróis, não mais de guerra, mas corredores, lançadores de dardo e disco, levantadores de peso, lutadores de arena, sendo festejados pelos habitantes de suas cidades-estado.
Hoje em dia, o esporte, além dos mitos do cinema e da arte pop, amainam a catarse da guerra e reproduz o que aconteceu na Grécia clássica. Nossos heróis são jogadores de futebol, basquete, volei e cinema, música, etc. Regiões onde há confrontação, com raras excessões, tem pouca, ou nenhuma participação nessas atividades.
No Brasil, e alguns países da América Latina, há uma grande concentração catártica no futebol, além de cinema e novelas. Mas a situação é tão calamitosa que parece que essas atividades não dão conta. De tempos em tempos aparece uma "primavera", como a de junho de 2013.
Hoje em dia, o esporte, além dos mitos do cinema e da arte pop, amainam a catarse da guerra e reproduz o que aconteceu na Grécia clássica. Nossos heróis são jogadores de futebol, basquete, volei e cinema, música, etc. Regiões onde há confrontação, com raras excessões, tem pouca, ou nenhuma participação nessas atividades.
No Brasil, e alguns países da América Latina, há uma grande concentração catártica no futebol, além de cinema e novelas. Mas a situação é tão calamitosa que parece que essas atividades não dão conta. De tempos em tempos aparece uma "primavera", como a de junho de 2013.
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
Por uma reforma no calendário
Sugiro (na próxima reforma) um novo calendário. Ele deveria ser chamado Calendário Universal que substituiria o Calendário Gregoriano e seria baseado nas seguintes condições
1 - O ano trópico continua sendo de 365 dias, assim como o ano Juliano de 365,25 dias e o Besseliano continuariam os mesmos;
2 - Cada ano seria dividido em 13 meses de 28 dias e um dia adicional, sem mes definido. Assim o ano contaria com 13*28+1=365 dias;
3 - O último dia do ano não pertenceria a nenhum mes, seria feriado de Natal e coincidiria com o dia 25 de dezembro do ano no formato atual;
4 - Após passado o dia de Natal, inicia-se a contagem dos dias do ano a partir de 1o. de Janeiro. Assim, o Natal também seria véspera de Ano Novo;
5 - A contagem dos dias da semana não sofreria descontinuidade. Os 7 dias da semana seriam contados continuamente como é feito atualmente;
5 - Nos anos bissextos, seria acrescentado um dia, também sem mes. Após o Natal, que seria o último dia do ano anterior, viria o primeiro dia do ano bissexto. Porém não contaria como 1o. de Janeiro. Também deveria ser considerado feriado e se chamaria o Dia Olímpico, porque marcaria o ano em que ocorrem as Olimpíadas dos tempos modernos;
6 - A regra para o cômputo dos anos bissextos permaneceria exatamente a mesma que a atual;
7 - Os meses teriam os mesmos nomes atuais, a começar por Janeiro e terminando em Dezembro. O mes adicional poderia se chamar Heratia, ou Heracia, de "Hera" a equivalente grega à deusa romana Juno, quem acredita-se ter dado o nome ao mes de Janeiro. Os meses todos teriam 28 dias, sem exceção;
8 - As estações teriam as seguintes datas:
- Equinócio vernal (ou outonal, no sul): entre 28 de março e 1o. de abril;
- Solstício de verão (ou inverno, no sul): entre 8 e 9 de julho;
- Equinócio outonal (ou vernal, no sul): entre 18 e 19 de outubro;
- Solstício de inverno (ou de verão, no sul): entre 24 e 25 herácia.
9 - Feriados e festas móveis, de cunho religioso continuariam a seguir a regra do cômputo do Pesach judeu, como é feito atualmente. Esse calendário possui uma estrutura mais complexa e não permite a adoção de dia fixo ou época fixa para os feriados tanto no Calendário Gregoriano, quanto no Universal.
10 - Feriados nacionais e fixos manteriam seus valores nominais, isto é, o Dia da Independência do Brasil continuaria sendo 7 de setembro, o Dia Nacional da Independência americana continuaria 4 de julho, a queda da Bastilha continuaria sendo 14 de julho e assim por diante. O mesmo para aniversário das pessoas. As únicas transformações são aquelas necessárias pelo desaparecimento dos dias 29, 30 e 31 dos meses. Nesse caso, os festejos seriam transpostos para os primeiros dias do mes seguinte, ou seriam considerados no dia 28 do mes equivalente. A idéia é promover o mínimo possível de mudanças para não desorganizar demais esse aspecto das vidas das pessoas.
11 - Eventos que necessitam de dia fixo do ano seriam transpostos para novas datas. Para isso deve-se calcular o dia do ano, p.ex. 'D' para a data do antigo calendário e usar a fórmula:
Novo mes: INT(D/28),
Dia no novo mes: D - 28 * NovoMes ou (D % 28)
12 - Os casos particulares devem ser examinados exclusivamente.
"E revogam-se as disposições em contrário"...
1 - O ano trópico continua sendo de 365 dias, assim como o ano Juliano de 365,25 dias e o Besseliano continuariam os mesmos;
2 - Cada ano seria dividido em 13 meses de 28 dias e um dia adicional, sem mes definido. Assim o ano contaria com 13*28+1=365 dias;
3 - O último dia do ano não pertenceria a nenhum mes, seria feriado de Natal e coincidiria com o dia 25 de dezembro do ano no formato atual;
4 - Após passado o dia de Natal, inicia-se a contagem dos dias do ano a partir de 1o. de Janeiro. Assim, o Natal também seria véspera de Ano Novo;
5 - A contagem dos dias da semana não sofreria descontinuidade. Os 7 dias da semana seriam contados continuamente como é feito atualmente;
5 - Nos anos bissextos, seria acrescentado um dia, também sem mes. Após o Natal, que seria o último dia do ano anterior, viria o primeiro dia do ano bissexto. Porém não contaria como 1o. de Janeiro. Também deveria ser considerado feriado e se chamaria o Dia Olímpico, porque marcaria o ano em que ocorrem as Olimpíadas dos tempos modernos;
6 - A regra para o cômputo dos anos bissextos permaneceria exatamente a mesma que a atual;
7 - Os meses teriam os mesmos nomes atuais, a começar por Janeiro e terminando em Dezembro. O mes adicional poderia se chamar Heratia, ou Heracia, de "Hera" a equivalente grega à deusa romana Juno, quem acredita-se ter dado o nome ao mes de Janeiro. Os meses todos teriam 28 dias, sem exceção;
8 - As estações teriam as seguintes datas:
- Equinócio vernal (ou outonal, no sul): entre 28 de março e 1o. de abril;
- Solstício de verão (ou inverno, no sul): entre 8 e 9 de julho;
- Equinócio outonal (ou vernal, no sul): entre 18 e 19 de outubro;
- Solstício de inverno (ou de verão, no sul): entre 24 e 25 herácia.
9 - Feriados e festas móveis, de cunho religioso continuariam a seguir a regra do cômputo do Pesach judeu, como é feito atualmente. Esse calendário possui uma estrutura mais complexa e não permite a adoção de dia fixo ou época fixa para os feriados tanto no Calendário Gregoriano, quanto no Universal.
10 - Feriados nacionais e fixos manteriam seus valores nominais, isto é, o Dia da Independência do Brasil continuaria sendo 7 de setembro, o Dia Nacional da Independência americana continuaria 4 de julho, a queda da Bastilha continuaria sendo 14 de julho e assim por diante. O mesmo para aniversário das pessoas. As únicas transformações são aquelas necessárias pelo desaparecimento dos dias 29, 30 e 31 dos meses. Nesse caso, os festejos seriam transpostos para os primeiros dias do mes seguinte, ou seriam considerados no dia 28 do mes equivalente. A idéia é promover o mínimo possível de mudanças para não desorganizar demais esse aspecto das vidas das pessoas.
11 - Eventos que necessitam de dia fixo do ano seriam transpostos para novas datas. Para isso deve-se calcular o dia do ano, p.ex. 'D' para a data do antigo calendário e usar a fórmula:
Novo mes: INT(D/28),
Dia no novo mes: D - 28 * NovoMes ou (D % 28)
12 - Os casos particulares devem ser examinados exclusivamente.
"E revogam-se as disposições em contrário"...
domingo, 17 de maio de 2015
Pirata ou corsário?
Em sua coluna de O Globo, muito interessante, por sinal, Pedro Doria escreve que Anthony Knivet foi um corsário. Sendo inglês, isso não é possível. Certamente Doria usa o termo como sinônimo de pirata. Há uma diferença, pois corsário era aquele que portava uma "carta da Córsega", fornecido pelo rei de França, que conferia autorização de pilhar o que bem entendesse, salvo o que era de propriedade de franceses e aliados, em nome do Rei, desde que lhe trouxesse sua porção. Ingleses faziam o mesmo para a coroa inglesa, mas não possuiam a tal "carta". Eram piratas.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
O Deliquente e Eu, ou, Lidando com a Realidade do Jovem Brasileiro (ou a maioria deles)
Vou contar um historinha (não sou adepto do anglicismo estória) que me aconteceu um par de anos atrás. Certo dia, bateu à porta de meu escritório, onde trabalho, um garoto, negro, com algum sobrepeso, de seus 14 a 15 anos de idade. Explicou-me que estava ali com a autorização do diretor do meu instituto e que era um interno da FEBEM. Vendia ímãs de colocar em geladeira, de sua própria fabricação, segundo ele, o que acreditei, pois apresentavam um aspecto artesanal, confeccionados com esmero, porém de gosto duvidoso. Contou-me que o juiz Sirio Darlan tinha estabelecido que cada imã daquele vendido representava um dia a menos no internato onde se encontrava “recolhido” (ah o politicamente correto! não se pode mais falar preso ou detido em se tratando de menores). Comprei uns dois ou três (ofereça aos meus colegas, para não cair tudo nas minhas costas) o que o deixou bastante contente. No ato da compra, notei que ele evitava fazer conta para o troco. Pediu para eu dizer qual era o troco que ele tinha que devolver.
Não perguntei o motivo de seu “recolhimento”. Acho que isso é absolutamente irrelevante. O que sei é que ele vivia uma tragédia, tragédia que ronda mais de 50% da população jovem brasileira. Nele a tragédia se materializou. Escolhas erradas? Não importa. Outros, com mais sorte, conseguem se livrar.
Ano seguinte, mesma época, mesma cena, o que se repetiu no ano que se seguiu. Minha sala ficou enturrada de ímãs de geladeira, e não me atrevia a levar para casa. Até que ele declarou que “era o último lote”. Se o vendesse ele estava livre. Cheguei a pensar que isso era uma estratégia de venda. Não vemos isso tantas vezes em nosso dia a dia?
Pois ele não voltou no ano seguinte e eu achei que ele estava sendo sincero. O garoto ganhou a liberdade. Não me senti nem menos nem mais “redimido” por isso. Não sou de compaixão, e por isso não sou de carregar culpas cristãs. Ajudo se posso. Não dou esmolas. Considero isso um resquício daquela arcaica manifestação de solidariedade social que nos fez humanos civilizados. A religião se apropriou disso, com o tempo. Como não tenho religião, deixo esse sentimento livre, para se manifestar nas horas que acho certas.
Pois bem. Ele voltou, no outro ano. E procurou por mim. Seu registro de entrada na instituição constava vir falar especialmente comigo.
Contou-me que foi procurado pelo traficante do bairro que lhe ofereceu a gerência de um ponto de venda. Foi aí que soube que a razão de seu “recolhimento” tinha sido tráfico de drogas. Então ele me disse que sabia que se aceitasse, seu destino seria voltar ao “recolhimento”, ou pior, a morte. Não sabia o que fazer. Disse-me que sua única saída seria voltar a sua terra, Ilhéus, BA. Lá, sob o guarda-chuva de sua família, poderia encontrar uma coisa decente (palavra dele) para fazer. Acrescentou que dali a uma hora e meia, mais ou menos, saía da rodoviária um ônibus para Ilhéus e que a passagem custava R$ 150,00. Essa era a razão de ele me procurar. Eu era a única pessoa que ele pensou para lhe dar essa ajuda. Abri a carteira e, lembro-me bem, tinha R$ 147,00. Peguei tudo, e lhe passei o dinheiro. Você pode se virar com R$ 3,00? Posso, disse ele.
E partiu. Da janela do corredor vi ele se dirigir ao portão de saída. Empreenderia uma viagem de uns dois ou três dias e não tinha dinheiro para comer.
Essa situação me incomodou. Acho que incomoda qualquer um. Veio a dúvida: estaria ele falando a verdade? Não seria mais um “papo” para pegar seus caraminguás e usar, sabe-se lá, para consumir droga, ou “capitalizar” para uma compra como distribuidor? Se ele voltar, pensei, não terá mais nada. Acabou. Minha fonte secou, vai procurar outro otário. Pois foi sentindo-me 50% otário que o vi se afastar. O critério era sua volta. Com aquele papo, ele não poderia mais voltar. Se voltasse, sua história seria um embuste.
Pois ele voltou. Era fevereiro, cerca de uns 8 meses depois do último encontro. Disse que vivia em Ilhéus com sua mãe, que era uma uma “baiana” que vendia acarajés e vatapás em uma banca. Veio para o carnaval, com a família, pois “no Rio se ganha bem mais dinheiro que na Bahia”. Disse que isso era idéia dele. Me deu um cartão com o “endereço”, um estande na Cidade do Samba, onde ocorre os pré-carnavais no Rio de Janeiro. Acrescentou que eu devia aparecer lá, de noite, pois a irmã dele queria muito me conhecer. Insistiu várias vezes para que eu fosse conhecer sua irmã que queria me “agradecer” pela ajuda que tinha dado a seu irmão querido. Coloco o “agradecer” entre aspas pois ele falava com especial entonação.
Pressentindo o “perigo”, não fui. Guardei desse encontro um resquício de ressabio. Ele voltou, afinal, e voltar era o sinal que estava sendo insincero. No entanto, pensei, suas histórias são tão ricas. Se mentia, mentia artisticamente. O rapaz tinha verve de escritor, um contador de histórias. Seria, se tivesse alguma instrução. Ou tudo isso era verdade? Será? Depois disso ele nunca mais voltou. Teria ficado ofendido por eu ter esnobado a “oferta” de sua irmã?
Prefiro a última opção. Não me importa o que ele sente por mim. Será mais um aspecto das diferenças entre nossos mundos, que são tão díspares. Prefiro sentir que esse foi mais um desses episódios que faz minha vida valer a pena. Pois meu maior temor, como todo mundo, é passar por esse planeta incólume, sem fazer diferença nenhuma. Para esse rapaz, esse não foi o caso.
Não perguntei o motivo de seu “recolhimento”. Acho que isso é absolutamente irrelevante. O que sei é que ele vivia uma tragédia, tragédia que ronda mais de 50% da população jovem brasileira. Nele a tragédia se materializou. Escolhas erradas? Não importa. Outros, com mais sorte, conseguem se livrar.
Ano seguinte, mesma época, mesma cena, o que se repetiu no ano que se seguiu. Minha sala ficou enturrada de ímãs de geladeira, e não me atrevia a levar para casa. Até que ele declarou que “era o último lote”. Se o vendesse ele estava livre. Cheguei a pensar que isso era uma estratégia de venda. Não vemos isso tantas vezes em nosso dia a dia?
Pois ele não voltou no ano seguinte e eu achei que ele estava sendo sincero. O garoto ganhou a liberdade. Não me senti nem menos nem mais “redimido” por isso. Não sou de compaixão, e por isso não sou de carregar culpas cristãs. Ajudo se posso. Não dou esmolas. Considero isso um resquício daquela arcaica manifestação de solidariedade social que nos fez humanos civilizados. A religião se apropriou disso, com o tempo. Como não tenho religião, deixo esse sentimento livre, para se manifestar nas horas que acho certas.
Pois bem. Ele voltou, no outro ano. E procurou por mim. Seu registro de entrada na instituição constava vir falar especialmente comigo.
Contou-me que foi procurado pelo traficante do bairro que lhe ofereceu a gerência de um ponto de venda. Foi aí que soube que a razão de seu “recolhimento” tinha sido tráfico de drogas. Então ele me disse que sabia que se aceitasse, seu destino seria voltar ao “recolhimento”, ou pior, a morte. Não sabia o que fazer. Disse-me que sua única saída seria voltar a sua terra, Ilhéus, BA. Lá, sob o guarda-chuva de sua família, poderia encontrar uma coisa decente (palavra dele) para fazer. Acrescentou que dali a uma hora e meia, mais ou menos, saía da rodoviária um ônibus para Ilhéus e que a passagem custava R$ 150,00. Essa era a razão de ele me procurar. Eu era a única pessoa que ele pensou para lhe dar essa ajuda. Abri a carteira e, lembro-me bem, tinha R$ 147,00. Peguei tudo, e lhe passei o dinheiro. Você pode se virar com R$ 3,00? Posso, disse ele.
E partiu. Da janela do corredor vi ele se dirigir ao portão de saída. Empreenderia uma viagem de uns dois ou três dias e não tinha dinheiro para comer.
Essa situação me incomodou. Acho que incomoda qualquer um. Veio a dúvida: estaria ele falando a verdade? Não seria mais um “papo” para pegar seus caraminguás e usar, sabe-se lá, para consumir droga, ou “capitalizar” para uma compra como distribuidor? Se ele voltar, pensei, não terá mais nada. Acabou. Minha fonte secou, vai procurar outro otário. Pois foi sentindo-me 50% otário que o vi se afastar. O critério era sua volta. Com aquele papo, ele não poderia mais voltar. Se voltasse, sua história seria um embuste.
Pois ele voltou. Era fevereiro, cerca de uns 8 meses depois do último encontro. Disse que vivia em Ilhéus com sua mãe, que era uma uma “baiana” que vendia acarajés e vatapás em uma banca. Veio para o carnaval, com a família, pois “no Rio se ganha bem mais dinheiro que na Bahia”. Disse que isso era idéia dele. Me deu um cartão com o “endereço”, um estande na Cidade do Samba, onde ocorre os pré-carnavais no Rio de Janeiro. Acrescentou que eu devia aparecer lá, de noite, pois a irmã dele queria muito me conhecer. Insistiu várias vezes para que eu fosse conhecer sua irmã que queria me “agradecer” pela ajuda que tinha dado a seu irmão querido. Coloco o “agradecer” entre aspas pois ele falava com especial entonação.
Pressentindo o “perigo”, não fui. Guardei desse encontro um resquício de ressabio. Ele voltou, afinal, e voltar era o sinal que estava sendo insincero. No entanto, pensei, suas histórias são tão ricas. Se mentia, mentia artisticamente. O rapaz tinha verve de escritor, um contador de histórias. Seria, se tivesse alguma instrução. Ou tudo isso era verdade? Será? Depois disso ele nunca mais voltou. Teria ficado ofendido por eu ter esnobado a “oferta” de sua irmã?
Prefiro a última opção. Não me importa o que ele sente por mim. Será mais um aspecto das diferenças entre nossos mundos, que são tão díspares. Prefiro sentir que esse foi mais um desses episódios que faz minha vida valer a pena. Pois meu maior temor, como todo mundo, é passar por esse planeta incólume, sem fazer diferença nenhuma. Para esse rapaz, esse não foi o caso.
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
UPP, e agora? A pergunta que devia ser feita em 2010.
Acho que quem viu não esquece as cenas bíblicas da fuga dos bandidos da Vila Cruzeiro no Rio de Janeiro, mostrada ao vivo pelas câmaras da televisão, de cima, num helicóptero. Somada ao hasteamento da Bandeira do Estado do Rio de Janeiro no alto da favela, essas são cenas emblemáticas da "retomada pelo estado de direito" das comunidades da região "reféns da sanha insaciável dos bandidos".
Diante daquela cena babilônica, uma pergunta se colocava, mas poucos foram capaz de ouví-la: e agora? Agora, disse nosso governante, vamos instalar UPPs, a polícia vai acabar com tudo quanto é atividade criminosa. O otimismo estampado no aspecto grave de nosso governador decretava: agora virá um ciclo de paz e prosperidade (só faltava o gesto na mão direita do eterno Sr. Spock, personagem interpretado brilhantemente por Leonard Nimoy em Jornadas nas Estrelas).
Na esteira da Vila Cruzeiro, já instalada no Jacarezinho, e outros, vieram a UPP no Vidigal e Rocinha. Aproveite-se o élan: já que estamos que estamos, vamos em frente!
Agora, o que vemos, é que "eles" se adaptaram. Batem de frente com UPPs e seus PMs parcamente treinados. Sequestram, assassinam e se re-instalam. Afinal, o que fazer agora? O que vem depois das UPPs?
Os que estão de alguma forma conectados com essas questões, políticos, sociólogos, diretores de ONGs nacionais e internacionais, e o próprio secretário de segurança, à frente de toda aquela ação, já alertam, não é de hoje: é preciso trazer educação, serviços básicos, serviços do "Estado"; é preciso cidadania.
Cidadania é uma palavra genérica. O que é cidadania? Acho que cada um tem na cabeça uma resposta. A prática da cidadania parece ser a chave para a solução dos graves problemas sociais pelos quais passamos. Só acho difícil definí-la. Se não a definimos de forma definitiva, não acho que seremos capazes de instalá-la onde se faz mais necessária.
O meu ponto de vista se aproxima do mecanismo com que a bandidagem retoma seu posto nas favelas do Rio de Janeiro. Tal como uma colônia de bactérias, ela se adapta ao novo ambiente e se reinstala renovada, mais resistente. É assim: a lei que Darwin enunciou no século XIX se manifesta não só nos recipientes assépticos dos laboratórios de biologia: ela está na base de quase tudo que se faz não somente dentro de nosso corpo, mas nos atos e ações tomadas na sociedade. Só nossa elite (inclusive aquela que costuma tietar o operário-messias) não vê. Nossos governantes passam a kilômetros dessa constatação.
É curioso como até os bandidos agem sob os preceitos da lei da evolução: agora são violentos nos assaltos para impor um sentimento de "pelo menos não fizeram o pior".
Cidadania é um dos frutos da civilização. É uma conquista, e como custou conquistá-la! A civilização se manifesta num eterno balanço entre dois conceitos que se contrapõem: o da garantia dos direitos e o respeito aos limites. Toda vez que os limites não são respeitados, que cada um possa brigar por seus direitos. Eu sempre me perguntei como essa dicotomia se apresenta numa favela, um lugar onde se instala sem autorização, onde não se delimita onde termina uma propriedade. Na favela não se respeita limites e não se pode exigir por direitos. Há civilidade? Há cidadania?
Há quem (e há tantos) acredite que a simples execução dos "bandidos" bastará. De onde acham que vieram esses atuais bandidos? E por que acham que com a "morte" desses não virá ninguém para ocupar o lugar?
Muita gente sustenta que, por ser habitada por gente amistosa e cordial, a favela não tem "pé de bandido", como diria um cantor popular emanado de uma delas. Eu chamo a atenção para a questão que Freud coloca em O Mal Estar na Civilização: não terá a amistosidade e a cortesia nas favelas a ver com essa "precariedade de civilização"? Nesse caso, essa "bandidagem" tem a ver com as manifestações de hierarquização no sentido civilizatório, onde usurpadores tentariam assumir o poder, numa espécie de estado embrionário. Uma sociedade pré Totem e Tabu, como alega Freud: no início o poder foi ocupado por "estrangeiros".
A instalação plena, ou sua tentativa, da "civilidade" possivelmente não vai resolver, no estado atual das coisas. Pois, se é verdade que vale a lei da evolução aqui, as forças usurpadoras de poder, os bandidos, já criaram seu "nicho de sobrevivência", pois é característica universal das espécies consolidadas. Há outra razão para que a orientação na "direção certa" tenha grande chance de falhar. É que o problema ganha complexidade porque essas forças se sustentam no comércio de drogas ilegais. O comércio de drogas, legais e ilegais, é, talvez, o mais promissor de todos, pois mexe com algo incontornável: a angústia da morte. Num certo sentido, na base, todo comércio se sustenta nisso, já que é a contrapartida civilizada da nossa luta pela sobrevivência no estado selvagem. O comércio de produtos que aliviam a angústia, a de morte inclusive, é a "última fronteira" da aventura humana, como se diz na apresentação do Jornada nas Estrelas.
Por isso, e agora? Agora, nada, meu amigo. É encomendar o caixão.
Diante daquela cena babilônica, uma pergunta se colocava, mas poucos foram capaz de ouví-la: e agora? Agora, disse nosso governante, vamos instalar UPPs, a polícia vai acabar com tudo quanto é atividade criminosa. O otimismo estampado no aspecto grave de nosso governador decretava: agora virá um ciclo de paz e prosperidade (só faltava o gesto na mão direita do eterno Sr. Spock, personagem interpretado brilhantemente por Leonard Nimoy em Jornadas nas Estrelas).
Na esteira da Vila Cruzeiro, já instalada no Jacarezinho, e outros, vieram a UPP no Vidigal e Rocinha. Aproveite-se o élan: já que estamos que estamos, vamos em frente!
Agora, o que vemos, é que "eles" se adaptaram. Batem de frente com UPPs e seus PMs parcamente treinados. Sequestram, assassinam e se re-instalam. Afinal, o que fazer agora? O que vem depois das UPPs?
Os que estão de alguma forma conectados com essas questões, políticos, sociólogos, diretores de ONGs nacionais e internacionais, e o próprio secretário de segurança, à frente de toda aquela ação, já alertam, não é de hoje: é preciso trazer educação, serviços básicos, serviços do "Estado"; é preciso cidadania.
Cidadania é uma palavra genérica. O que é cidadania? Acho que cada um tem na cabeça uma resposta. A prática da cidadania parece ser a chave para a solução dos graves problemas sociais pelos quais passamos. Só acho difícil definí-la. Se não a definimos de forma definitiva, não acho que seremos capazes de instalá-la onde se faz mais necessária.
O meu ponto de vista se aproxima do mecanismo com que a bandidagem retoma seu posto nas favelas do Rio de Janeiro. Tal como uma colônia de bactérias, ela se adapta ao novo ambiente e se reinstala renovada, mais resistente. É assim: a lei que Darwin enunciou no século XIX se manifesta não só nos recipientes assépticos dos laboratórios de biologia: ela está na base de quase tudo que se faz não somente dentro de nosso corpo, mas nos atos e ações tomadas na sociedade. Só nossa elite (inclusive aquela que costuma tietar o operário-messias) não vê. Nossos governantes passam a kilômetros dessa constatação.
É curioso como até os bandidos agem sob os preceitos da lei da evolução: agora são violentos nos assaltos para impor um sentimento de "pelo menos não fizeram o pior".
Cidadania é um dos frutos da civilização. É uma conquista, e como custou conquistá-la! A civilização se manifesta num eterno balanço entre dois conceitos que se contrapõem: o da garantia dos direitos e o respeito aos limites. Toda vez que os limites não são respeitados, que cada um possa brigar por seus direitos. Eu sempre me perguntei como essa dicotomia se apresenta numa favela, um lugar onde se instala sem autorização, onde não se delimita onde termina uma propriedade. Na favela não se respeita limites e não se pode exigir por direitos. Há civilidade? Há cidadania?
Há quem (e há tantos) acredite que a simples execução dos "bandidos" bastará. De onde acham que vieram esses atuais bandidos? E por que acham que com a "morte" desses não virá ninguém para ocupar o lugar?
Muita gente sustenta que, por ser habitada por gente amistosa e cordial, a favela não tem "pé de bandido", como diria um cantor popular emanado de uma delas. Eu chamo a atenção para a questão que Freud coloca em O Mal Estar na Civilização: não terá a amistosidade e a cortesia nas favelas a ver com essa "precariedade de civilização"? Nesse caso, essa "bandidagem" tem a ver com as manifestações de hierarquização no sentido civilizatório, onde usurpadores tentariam assumir o poder, numa espécie de estado embrionário. Uma sociedade pré Totem e Tabu, como alega Freud: no início o poder foi ocupado por "estrangeiros".
A instalação plena, ou sua tentativa, da "civilidade" possivelmente não vai resolver, no estado atual das coisas. Pois, se é verdade que vale a lei da evolução aqui, as forças usurpadoras de poder, os bandidos, já criaram seu "nicho de sobrevivência", pois é característica universal das espécies consolidadas. Há outra razão para que a orientação na "direção certa" tenha grande chance de falhar. É que o problema ganha complexidade porque essas forças se sustentam no comércio de drogas ilegais. O comércio de drogas, legais e ilegais, é, talvez, o mais promissor de todos, pois mexe com algo incontornável: a angústia da morte. Num certo sentido, na base, todo comércio se sustenta nisso, já que é a contrapartida civilizada da nossa luta pela sobrevivência no estado selvagem. O comércio de produtos que aliviam a angústia, a de morte inclusive, é a "última fronteira" da aventura humana, como se diz na apresentação do Jornada nas Estrelas.
Por isso, e agora? Agora, nada, meu amigo. É encomendar o caixão.
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