sábado, 5 de março de 2022

Da Maldade à Tirania

 Que a maldade impera na civilização humana, ninguém pode negar. Atos inomináveis que se praticam contra o ser humano (assim como contra animais, por todos os motivos conhecidos) povoam a História e são cada vez mais frequentes e monstruosos, isto é, a monstruosidade aumenta com o tempo.

Tiranos são capazes das maiores maldades. E a conta não recai somente sobre as costas do mandatário. Há aqueles que o sustentam no poder, pelos mais variados motivos, mas o maior deles é o proveito que tiram deste suporte, seja poder ou dinheiro. Há, também, os que executam os atos maldosos. Estes aproveitam a ocasião para dar vazão aos seus instintos sádicos e malignos. E ainda há o povo, em sua maioria, que acede aos atos de seu tirano, seja por se deixar enganar por suas mentiras, seja porque concorda, mesmo que inconscientemente, ou ainda, embora consciente, nada faz por puro medo.

Nos últimos tempos tenho sido tomado pela perplexidade. Primeiro veio a pandemia: coisa nova para mim, pois nasci num período em que tais desastres haviam passado. No seu início, costumava comentar que nunca tinha passado pela minha cabeça viver tal situação, que julgava superada. 

Agora, vem-me à cabeça o mesmo pensamento: nunca pensei que viveria para ver tamanha desfaçatez na humanidade, que julgava coisa do passado, nem tão distante, é verdade, mas que conhecia apenas em livros ou no cinema. 

Nunca pensei que iria assistir uma invasão de uma potência militar a um país vizinho, destruindo impiedosamente tudo o que encontra pela frente, submetendo a população civil, inocentes, famílias inteiras, crianças, velhos e deficientes, a uma violência atroz, inenarrável, injustificável. A única falta desta gente foi querer viver tranquilamente, elegendo quem lhe veio à cabeça para lhes liderar (um comediante, seguindo a tendência mundial de eleger palhaços, alguns inofencivos, outros de essência sádica e mórbida). O povo ucraniano só queria viver suas vidas em paz. 

Você poderá dizer que há neonazistas vicejando por lá. É verdade, mas, de novo, esta praga aparece em tudo quanto é canto. Mesmo no Brasil, com toda a sua miscigenação, um lugar improvável para este tipo de fanatismo, vamos encontrá-los.

Nunca pensei em assistir ao vivo cenas cuja estupidez era narrada no cinema, onde o inimigo cruel e impiedoso viria a praticar os atos mais vis, movidos pelo ódio que povoa a cabeça das mentes mais selvagens, cruéis, pérfidas e desprezíveis que a humanidade conheceu no século XX.

O holocausto é o episódio mais pérfido da idade moderna, e não se enganem, poderá ser repetido agora, com a diferença de que as vítimas provavelmente não serão apenas judeus. 

Pensei que isso tinha sido superado pela humanidade. O povo alemão, que por acidente ou não, foi o principal protagonista da insanidade dos meados do século XX, se conscientizou e se redimiu do monstro que germinou em seu ventre e que proporcionou o horror que até hoje, nós, da geração contemporânea do baby-boom só conhecíamos de relatos, documentários da época e de cenas nas telas do cinema.  Eles, os alemães, superaram a insensatez. E nos ajudaram a nos conscientizarmos do quê somos todos, alemães ou não, capazes de praticar. Achei que o horror tinha sido banido. 

Vejo que uma parte do mundo ficou fora deste aprendizado. O povo russo, vitimizado pelas atrocidades do nazismo, ficou alienado das atrocidades do stalinismo. E estas foram equivalentes àquelas, quiçá ainda mais horrorosas. Protaganizando atrocidades ainda mais extensas, pérfidas, inadimissíveis, a liderança soviética negou ao seu povo a consciência do que se é capaz de fazer contra seus vizinhos. E este, por medo, ignorância, ou inconsciência, apóia a liderança atual. O povo russo não se redimiu porque se lhe aprendeu que também foi vítima. Uma vítima que se superou, que superou o inimigo pérfido e cruel. Não se conscientizou da própria crueldade. 

O povo russo agora apoia um lider arrogante, prepotente, cruel, desumano, cínico e destituído de qualquer humanidade, sob o pretexto da proximidade, da vizinhança, da reocupação de um território que pretende que seja sua origem, que quer tomar como seu. Se formos usar estes argumentos para nossa própria condição, não haverá paz no mundo. A geografia do mundo é a de agora. Não se ataca um povo pacífico, que jamais ameaçou, que queria viver sua vida em paz, construindo sua própria identidade, sua própria nacionalidade. Não importa o que era antes. Se assim for, nos mataremos todos.

Hoje, aquele que chamarei desde agora "o monstro do Kremlin" avisa que promoverá execução pública de qualquer ucraniano que for pego resistindo. Se sobrevivermos ao que virá, nossos filhos e netos assistirão filmes mostrando, não mais nazistas executando heróis resistentes, mas, soldados russos executando heróis ucranianos.

O povo russo perdeu. Espero que encontre espaço para um dia se redimir. O russo é o povo nazista de hoje. O Monstro do Kremlin fala em retomar as antigas repúblicas soviéticas para se "defender" (do que seria?). Será mera coincidência alguma semelhança com "espaço vital" de Hitler?

Aqueles que, por ignorância ou cinismo, apoiam as atrocidades do Monstro do Kremlin, têm o meu mais completo e absoluto desprezo, porque eles não sofrerão as consequências, como o povo alemão sofreu, nem o povo russo, assim acredito, sofrerá.

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